“Um governo conservador de gente de décima categoria. Um ministro dos Negócios Estrangeiros ignorante como um porco, de quem supostamente dependo. Os trabalhistas não são melhores. A maldita loucura do Brexit.”
As palavras acima transcritas pertencem a Nat, um veterano de 47 anos dos Serviços Secretos Britânicos, que parece ter chegado ao fim da linha como controlador de agentes. De regresso a Londres com Prue, a sua adorada – e adorável – mulher, parece ter tudo para se dedicar à pesca ou a uma qualquer outra actividade prazeirosa mas, dada a crescente ameaça do Centro de Moscovo, é-lhe entregue uma missão pouco apontada ao seu estatuto.
Nat vê-se assim nomeado chefe do Porto de Abrigo, um sub-posto da Geral de Londres com mais teias de aranha do que aquelas que Peter Parker tem nos seus carregadores em dias bons, recheado de espiões incompetentes que não passariam numa avaliação mais exigente. Há, porém, uma estrela adormecida chamada Florence, com aspirações claras a integrar o departamento da Rússia – e que mantém debaixo de olho um oligarca ucraniano com fortes ligações ao regime russo.
A personagem central da trama é, porém, o introspectivo, solitário e politicamente contestatário Ed, que odeia Trump, odeia o Brexit e odeia o emprego, tornando-se no improvável parceiro de Nate no que toca ao badminton, a grande paixão deste último.
Agindo como uma espécie de mentor de Florence e confidente de Ed, Nate vê-se apanhado num triângulo político que tem tudo para acabar mal, tendo de recorrer a todo o seu expediente, jogo de cintura, charme e currículo para não terminar a carreira com uma nódoa de todo o tamanho – ou, pior do que isso, a ver o sol aos quadradinhos.
Com “Agente em Campo” (D. Quixote, 2020), John le Carré mergulha de cabeça neste nosso tempo trágico, mostrando-se condoído com o Brexit – “uma coisa que me deixa forma de mim” -, pouco abonatório em relação a Trump e falando de Putin como “um espião de quinta categoria”, “transformado em autocrata que interpretava toda a vida em termos de konspiratsia”, rodeado por um bando de “estalinistas impenitentes”.
Muito estilo e humor negro, num romance de espionagem que vai cozendo lentamente – e onde a parte mais importante do jogo decorre sempre nos bastidores. “Se espiarmos o tempo suficiente, o espectáculo volta ao princípio”, lê-se a certa altura. Que esta aparente reforma de Nate nos possa trazer mais uma missão deste calibre. É que, com Carré, não se pode esperar que a coisa termine em trabalho de secretária.
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