Segundo dados do Conselho Nacional de Adopção, existem em Portugal sete vezes mais candidatos a adopção do que crianças para adoptar, sendo ainda assim elevado o número das que crescem em instituições de acolhimento. Em parte, esta situação é explicada pelo desfasamento entre as características reais destas crianças e o perfil desejado, que normalmente exclui as que têm mais de seis anos de idade. Porém, há factores positivos na adopção de crianças mais velhas, como revela Maria Sequeira Mendes em “Adopção Tardia” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021).
A autora, ela própria uma adoptante, é professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, faz investigação sobre este tema e partilha aqui o que descobriu e aprendeu. O livro, integrado na colecção Retratos da Fundação, encontra-se estruturado com base em entrevistas a famílias que adoptaram crianças a partir dos sete anos e aos próprios adoptados (que entretanto cresceram), dando-lhes voz em discurso directo. Contém ainda conclusões de trabalhos de investigação, estatísticas e uma excelente análise social.
Sem negar a existência de dificuldades iniciais, a autora defende que integrar crianças mais velhas ou adolescentes numa família não é necessariamente mais complicado, e expõe o hiato que existe “entre os medos e mitos da adopção e aquilo que realmente acontece quando as crianças chegam a casa”. Em regra, as dificuldades sentidas pela criança dependerão menos da idade e mais da experiência de vida, que os pais devem procurar compreender, de modo a também se adaptarem aos filhos e a trocarem melhor informação com os profissionais que os acompanharão, incluindo médicos e professores.
Com frequência, o facto de terem sido capazes de resolver situações difíceis dá a estas crianças “sentido de responsabilidade e amor-próprio, leva-as a saber tomar conta daqueles que parecem mais frágeis e a ter um enorme sentido de justiça”. Todavia, os seus comportamentos nem sempre são bem interpretados nas escolas, e algumas chegam a sofrer bullying pelo simples facto de serem adoptadas, o que exige um envolvimento activo da nova família.
Criticando um sistema que atrasa os processos de adopção, ao privilegiar uma ideia de família biológica em detrimento do bem-estar da criança, a autora propõe diversas reformas legislativas, incluindo a possibilidade de se adoptar jovens maiores de 15 anos – algo que hoje só é permitido em situações muito particulares. Defende também o direito de preservação das ligações entre irmãos, que por vezes são suspensas de forma traumatizante.
A obra termina com listas de sugestões, umas mais fáceis de implementar do que outras. Mesmo que as leis não mudem, os potenciais adoptantes têm aqui um manancial de informação útil, e o público em geral pode encontrar um retrato sensível e cativante de famílias que hoje são felizes apesar de todas as dificuldades.
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