Portugal, 1961. No mar, navega o primeiro lote de soldados lusos destinados a suprimir, a todo o custo, a revolta independentista do povo angolano. O governo português, que insistia a todo o custo manter as províncias africanas, precipitava-se assim para uma guerra colonial, ao mesmo tempo que, a bordo do paquete Santa Maria, se dava o primeiro sequestro de uma embarcação transatlântica como forma de oposição ao regime salazarista.
Em terra, vive um “povo embrutecido e ignorante”, produto dos desígnios de António de Oliveira Salazar, chefe de governo de Portugal desde 1932. Numa altura em que o império corria risco de ruir, e com o surgimento dos movimentos revolucionários dentro e fora do país, Salazar aperta o cerco e intensifica a perseguição aos opositores do regime.
No ar, ocorre um acto inédito de protesto político, em que um grupo de rebeldes desvia de um avião da TAP que partira de Casablanca em direcção a Lisboa, naquele que seria o primeiro sequestro de uma aeronave na história da aviação comercial.
É neste contexto histórico que, pelo ar, na terra e sobre o mar, se desenrola a acção de “Adeus Casablanca” (Guerra e Paz, 2022 – reedição), de João Céu e Silva. Com uma narrativa ficcionada que se desenrola entre Portugal e Marrocos, mas sem nunca “tirar o pé da História”, o autor foca a acção temporal em três gerações distintas, unindo-as pelo fio condutor dos ideais da liberdade e democracia.
Neste thriller literário em que cabem episódios heróicos, segredos de Estado, relatos de resistência política e golpes de espionagem, há espaço ainda para alusões literárias e cinematográficas, em particular uma visita à obra escrita de Paul Bowles e ao eterno blockbuster “Casablanca”, de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman.
João Céu e Silva, autor de mais de uma dezena de obras de ficção e de investigação histórica e literária, é também dono de uma longa carreira jornalística, o que talvez ajude a explicar porque é que, em “Adeus Casablanca”, nada fique por contar. Apesar da atmosfera misteriosa em que o escritor envolve a sua prosa, a narração omnisciente e ultra-esmiuçada dos valores e aspirações de cada personagem acaba por ser decepcionante.
Particularidades narrativas à parte, “Adeus Casablanca” destaca-se pelo modo distinto com que entrelaça ficção e realidade, e é exactamente entre o domínio da criatividade e dos factos que encontramos a sua mais valia — a cobertura romanceada de um dos episódios mais fascinantes da história recente do nosso país.
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