Susana Dias assume-se como poeta, sendo “Acordo Maldito” (Gato Bravo, 2019) o seu primeiro romance. São páginas de uma leitura actual sobre um amor de quatro anos, contado na primeira pessoa e de forma exaustiva por Lia, de 36 anos, que vive como uma adolescente na noite de Lisboa. Divorciada e com um filho apaixona-se por Jack (de seu nome completo Miguel de Almeida Moura–Cruz Ulmeiro Gumpera), um rapaz de 29 anos de origem nobre, que nada lhe promete quanto ao futuro, não oferece estabilidade alguma em relação ao que os liga e nunca a apresenta à família – estão aqui presentes os estereótipos de se ser mulher divorciada, com um filho, mais velha na relação e, no que toca à protagonista, gótica.
Esta é, para o leitor, a grande valia do romance e da nostalgia imensa que o acompanha, durante 42 pequenos capítulos sobre pessoas, lugares e sentimentos resultantes de uma conturbada e intermitente relação afectiva e sexual. Há, nos títulos, uma grande coerência com o estilo de diário escolhido pela narradora,ficando a sensação de ser esse mesmo o propósito da narração: o da construção de um diário.
Lisboa – a par de Lia e de Jack – é a personagem imanente e permanente. Sítios nocturnos (bares e discotecas) desfilam pelo livro e tornam-se “familiares” ao leitor (a Metamorfose, a Taberna, o Mirage, a Escuridão Iluminária), assim como os ambientes de música e de dança, os restaurantes e as bandas de metal, ao ponto do leitor sentir o ambiente ensurdecedor de certos locais. Mas também a Lisboa diurna, onde se combinam em grupo idas a festivais de música, em lugares de luz. Lisboa que testemunha momentos de felicidade mas, também, de raiva, humilhação, desrespeito, ilusão sem fundamento e tristeza, num ciclo vicioso de vontades desirmanadas.
Um livro que mostra a intensa fragilidade humana de alguém que se vai contentando com “migalhas emocionais”, sem a auto-estima e o amor-próprio suficientes para compreender – ou desenrolar – o engodo mental e o Acordo Maldito em que se enredou.
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