Ler Yrsa Sigurdardóttir é saber que surgirá um crime aparentemente irresolúvel e com muitos pormenores, que parece não se conseguir justificar. À medida que cresce como escritora, Yrsa vai aprimorando a narrativa, trabalhando na complexidade dos acontecimentos, alargando a vida das personagens para além da intriga central – e por aí fora.
Em “Abismo” (Quetzal, 2019), o segundo volume da série DNA, o leitor vai ficar incomodado. Tomando-se como exemplo o epílogo, que expõe o momento catalisador onde inicia a história, anos antes, o leitor será levado a um cenário desconfortável com um desfecho inconclusivo que abrirá portas para que a imaginação corra livremente pelos cantos mais escuros da mente. E é isso que define a autora. Com um índice de violência indubitavelmente mais marcado, “Abismo” respeita o registo encontrado no primeiro volume da série, “O Legado”. Não é apenas a quantidade de sangue que pode transtornar os leitores mais sensíveis, mas a forma macabra como as mortes acontecem e como os cenários de crime são descritos. Yrsa diz as coisas como elas são.
Mas esta colecção destaca-se dos livros restantes da autora por outro motivo: o enfoque das investigações policiais são crianças, não se identificasse estes dois primeiros livros como os volumes da colecção Children’s House. Se é normal que qualquer investigação criminal, sobretudo associada a crimes violentos, possa transtornar o cidadão comum, é mais que expectável que a presença de crianças, seja por envolvimento externo ou por serem elas as vítimas, incomode ainda mais.
Neste cenário, Yrsa faz aquilo que melhor sabe fazer: tece uma teia sem fim nos crimes que acontecem e, simultaneamente, leva o leitor pela complexidade da psicologia infantil e da tentativa de encontrar uma linguagem que permita a comunicação entre as crianças e os adultos, as vítimas e os profissionais, os que perderam a voz e aqueles que lhas querem devolver. E assim, página após página, capítulo após capítulo, o leitor vai contactar com algumas das maiores fragilidades – suas ou não. Por instinto primitivo, por identificação com algumas das debilidades ou simplesmente por empatia, há uma clara ligação entre o leitor e todos os envolvidos na história.
À medida que prossegue a investigação e que os crimes vão continuando a acontecer, Yrsa vai lançando pistas e, sobretudo, deixando muitas questões para que o leitor faça parte da pesquisa e crie o seu próprio puzzle. As peças vão encaixando, sim. Mas será que estão viradas do avesso?
1 Commentário
https://folhasdepapel.wordpress.com/2019/09/17/abismo-2019-yrsa-sigurdardottir/
[…] Continuar a ler no Deus me Livro. […]