Aos 35 anos de idade, Nathan Fawles vive sob o efeito Streisand: “Quanto mais procuramos esconder uma coisa, mais atraímos a curiosidade sobre aquilo que queremos dissimular”. Um pouco como Brel, depois de se impor como umas das vozes mais originais das letras americanas e de ter o mundo a seus pés depois de três romances publicados, decidiu deixar de escrever aos 35 anos. Numa entrevista de 1999, justificava a decisão com uma breve frase: “A arte é longa, a vida é breve”. Vinte anos depois, quando surgem rumores de um regresso triunfal, o seu agente nova-iorquino trata de o negar. “Não existe nenhum segredo a desvedar. O Nathan passou simplesmente para outra coisa. Tanto quanto sei, ele mantém a sua vida privada”.
É este o ponto de partida para “A Vida Secreta dos Escritores” (Gradiva, 2024), romance com veia policial de Guillaume Musso, aqui numa adaptação a novela gráfica com desenhos de Miles Hyman, uma adição da Gradiva ao seu cada vez mais extenso catálogo de banda desenhada.
Para desvendar o mistério do que terá levado Nathan Fawles a deixar de escrever, Guillaume Musso adiciona duas personagens que acabam por ser conduzidas a Beaumont, a ilha ao largo da costa do Mediterrâneo para onde Fawles se retirou: Rapahel Bataille, um jovem escritor em busca dos conselhos do mestre que acaba por se transformar em investigador ocasional; e Mathilde Monney, uma persistente jornalista que torna esta sua missão mais parecida “a um inquérito policial do que a uma investigação jornalística”.
Guillaume Musso é mestre no desenho da trama, balançando entre o passado e o presente para a criação de uma novela policial em crescendo, muito bem alimentada até ao desenlace final. Pelo caminho, servem-se citações que vão de Umberto Eco a Margaret Atwood, mas também, como é estilo do autor, tiradas mordazes sobre o universo literário – onde todos escrevem mas ninguém lê – ou o que é, final, a “verdadeira literatura”. A ilustrações, aguarelas meio esbatidas com poucas variações cromáticas, criam uma harmonia que centra todas as atenções na história – um policial que, na sua versão original, não tem ainda edição portuguesa. Para o fim fica reservado um epílogo na primeira pessoa, ele próprio um truque literário de um escritor dado a enigmas – como foi evidente em “A Rapariga e a Noite” (ler crítica), livro que conta com edição portuguesa também pela Gradiva.
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