No novo volume da colecção Histórias Tradicionais Portuguesas, Alice Vieira recria duas histórias onde se chega a bom porto através de algum charme e muita conversa, tanto em quem tem o bichinho nómada dentro de si – e se prepara para o adormecer – como para quem tem lar, doce lar impresso numa tatuagem imaginária: “A Sopa de Pedra/ Um Ladrão Debaixo da Cama” (Caminho, 2018).
“Há pessoas que nunca se sentem bem quando estão muito tempo no mesmo lugar. Se há muitas árvores – têm saudades do mar. Se há muito mar – têm saudades das montanhas. Se há muitas montanhas – têm saudades das planícies. E por aí fora. Frei Gil era uma dessas pessoas”.
“A Sopa de Pedra” tem como protagonista Frei Gil, que depois de ter feito do mundo inteiro a sua casa decide regressar ao lugar da sua infância para, aí, viver o resto da existência. A certa altura, sentindo-se muito cansado, perceb que não comia há vários dias. Avesso a pedir esmola, Frei Gil saca de toda a sua lábia e espírito de encantamento e, tal como Jesus o fez com a multiplicação dos pães e dos peixes, consegue transformar uma simples pedra numa sopa incrível e bem atulhada.
Já em “Um Ladrão Debaixo da Cama” temos como protagonista uma velha que, segundo muitos, “sabia a cura para todas as doenças e que bastava beber um dos seus chás para que um quase-morto ficasse mais corado que uma romã”.
A anciã vivia com o neto numa casa de uma aldeia perto de uma floresta, e sempre que tinha de sair deixava um aviso: “– Cuidado, muito cuidado! Até eu voltar, rei ou mendigo, não deixarás entrar!”. A verdade é que, depois de um desses regressos, o neto lhe diz que há um ladrão escondido debaixo da cama, que espera que todos se deitem para roubar à vontade e matar a velha, velha que espera virar o jogo com uma história, “a que se conta sempre que as portas se abrem e fecham, e as janelas fecham e abrem, e as casas se enchem do ar que não presta!”.
As ilustrações, ao estilo clássico, são de Vanda Romão, que em 2017 levou para casa o Prémio Matilde Rosa Araújo com o livro “A Maratona dos Bichos”.
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