São inúmeros os livros sobre guerra, sobreviventes, estratégia, famílias desmembradas, fugas e muito mais. Mas não são muitos os que revelam aquilo que a resistência francesa enfrentou ao longo da Grande Guerra.
“A Rede de Alice” (Porto Editora, 2019), de Alice Quinn, é um romance histórico que acompanha duas mulheres em períodos afastados e que, por ironia do destino, se conhecem e descobrem que têm muito mais em comum do que seria de esperar, dado que são oriundas de países e gerações diferentes e contextos sociais distintos. Queria o fado que ambas se cruzassem depois da Segunda Guerra Mundial, para ajudar a jovem Claire a seguir o rasto da sua prima desaparecida em França durante a ocupação nazi. Começa, então, o desdobramento da história em duas, para acompanharmos a busca da pessoa e a vida de Eve enquanto espia na resistência francesa na Primeira Guerra Mundial.
Aquilo que (muito) define este livro é a centralização da acção em personagens femininas que, embora estejam colocadas em períodos históricos diferentes, têm em comum a condição (desfavorecida) de mulher na primeira metade do século XX. Uma que não pode levantar dinheiro seu por direito por não ser casada ou não estar acompanhada do pai; outra que pretende superar aquilo a que sociedade lhe impôs nos anos 10, trabalhando como mera secretária que não poderá ascender profissionalmente. A verdade é que ambas estão à frente do seu tempo, se isso significa que tomam decisões sozinhas e cuja determinação as afasta de uma vida ditada por terceiros, seja por valores familiares ou pela sociedade.
Cada uma à sua maneira cresce visivelmente ao longo do livro, sendo notórias as suas transformações e alterações no carácter. A procura pela justiça é catalisadora para ambas nesta história: Claire imerge na França marcada pela ocupação nazi, dois anos depois de terminada a Segunda Guerra, levando o leitor a conhecer pormenores horrendos vividos pela população durante esses seis anos, muito à semelhança do que acontece em «O Rouxinol», de Kristin Hannah. O medo e a sua corporização. Os banhos de sangue. As injustiças. As frustrações. A fome.
Por outro lado, na Primeira Guerra, Eve integra a Rede de Alice como espia na resistência francesa para, de qualquer forma possível, ajudar a sabotar as movimentações alemãs. Coloca a sua vida em risco em nome do país, ainda que para isso tenha de colocar de lado qualquer princípio social, moral ou ético. Tudo em nome de um bem maior, o que a deixa exposta em terrenos perigosos e com consequências físicas e psicológicas para toda a vida. Descobrimos, conhecendo a sua história, os segredos da resistência que a permitiram prolongar-se no tempo e a tornar inviáveis acções estratégicas dos inimigos, o que assenta fundamentalmente na criação de uma rede de contactos privilegiados (com uma grande imaginação) que tece uma teia no submundo da guerra.
Ler «A Rede de Alice» é viciante. Para todos os interessados em ambientes bélicos, na perspectiva do sobrevivente e de forma romanceada, este livro é uma grande companhia. Lê-se num ápice e fica connosco.
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