Se, por qualquer razão, Maria José Sousa decidisse adoptar um lema ao estilo de uma super-heroína, muito provavelmente escolheria um dos lançados por Manuel Luís Goucha no prefácio ao livro “A Nossa Cozinha” (Casa das Letras, 2023): “Guardiã de saberes e sabores” ou, mais puxado à poética, “Guardiã de sonhos e memórias”. No mesmo prefácio, Goucha recorda a sua primeira ida à Taberna do Adro, um restaurante para os lados de Elvas, mesmo junto à igreja consagrada à Senhora da Conceição, que conseguiu encontrar mesmo sem o abençoado GPS. Uma visita a que se seguiram muitas outras, “pela verdade do que comemos e pela simpatia de quem anfitria”.
Este livro, um manual de cozinha à boa moda antiga, nasceu de um desafio lançado à autora pelo canal Casa e Cozinha, para pôr no papel as receitas apresentadas no programa televisivo A Nossa Cozinha. Um desafio aceite por Maria José Sousa, que nele diz ter cruzado a memória e a tradição “com a magia de tornar presente um passado que, vivido com simplicidade e amor, arrastou no tempo sabores que são um legado histórico” – e que são um “legado histórico” para quem gosta de cozinhar e, sobretudo, comer.
O livro divide-se em cinco grandes capítulos e, para cada um deles, empratam-se sabores preparados por gerações anteriores. Em Entradas e Petiscos, há carapaus de escabeche, moelas com tomate ou peixinhos da horta; nas Sopas, há conchas servidas em pratos fundos de açorda alentejana com ovos e bacalhau ou sopa de batata com beldroegas; para quem prefere Peixe, descobre-se um arroz de bacalhau com espinafres ou umas pataniscas de bacalhau com arroz de feijão; para quem não consegue passar sem a sua porção de Carne, há arroz de pato ou uma galinha tostada com migas de tomate; e, para quem conseguir espaço para Sobremesas, há broas da Páscoa ou a clássica sericá com ameixas de Elvas.
Cada receita surge acompanhada de uma citação, que tanto pode ser de Victor Hugo, Florbela Espanca ou um versículo sacado à Bíblia. Há depois, para além de uma fotografia do prato já bem composto, um texto introdutório, que se lê como uma pequena história sobre um ingrediente, um episódio familiar ou um mergulho na tradição gastronómica. Listam-se os ingredientes e explica-se, de forma sintética e certeira, a forma de preparação, neste hino à vida e à cultura portuguesa, servidas generosamente no melhor dos serviços de louça. Para provar em casa ou num pulinho a Elvas.
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