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A Morte de Jesus, J. M. Coetzee, Dom Quixote, D. Quixote, Deus Me Livro, Crítica
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“A Morte de Jesus” | J. M. Coetzee

Por Ana Ilhéu · Em 12/11/2021

J. M. Coetzee, o Nobel da Literatura de 2003, nascido na África do Sul, actualmente cidadão australiano, iniciou carreira literária nos anos 70. Nos anos 80 alcançou o reconhecimento internacional, com obras como “À Espera dos Bárbaros” (1980) e “A Vida e o Tempo de Michael K” (1983), esta última vencedora do Booker Prize. Foi novamente galardoado em 1999, com a obra “Desgraça”, tornando-se no primeiro autor a receber o Booker por duas vezes. O apartheid, as suas implicações na vida social e nos valores morais vividos na época, foi um tema dominante nas suas obras. Um sistema que, alerta, poderá ressurgir em qualquer parte.

Em “A Morte de Jesus” (D. Quixote, 2021), o último volume da trilogia composta por “A infância de Jesus” (D. Quixote, 2013) e “Jesus na escola” (D. Quixote, 2017), David, o protagonista, tem 10 anos, notando-se já as suas características especiais em termos físicos e intelectuais. Um raciocínio acutilante, inato, que colidia com o ensino formal e coexistia com uma extraordinária apetência para quase tudo o que era físico, desde a dança ao futebol. David dançava os números, representando-os como divindades ou entidades celestiais que existiam antes do mundo físico, e que continuarão a existir muito depois do mundo acabar.

Entre o primeiro livro da trilogia e o último decorrem 5 anos, período que nos permite conhecer, para além do protagonista, Simon, homem que, ao fazer a travessia entre a sua antiga vida e a nova morada, acolhe a criança que ia ao encontro da mãe, incógnita mas certamente reconhecível, quando uma busca aturada os colocasse cara a cara. Inês, uma jovem que já se encontrava perfeitamente instalada na nova existência, parecia corresponder à dita, aquela que assumiria a maternidade de David, gerindo a sua excepcionalidade, as questões existenciais, a obstinação por caminhos despojados de amorfismo.

A Morte de Jesus, J. M. Coetzee, Dom Quixote, D. Quixote, Deus Me Livro, CríticaEm complemento dos números e através de Simon, o homem que assumiu as funções de pai – ou, pelo menos, de protector do jovem David -, é feita a apologia da leitura, a melhor maneira de nos abrirmos ao mundo, ouvindo o que os livros têm para nos dizer, estabelecendo conversas mentais com os autores. Dom Quixote de La Mancha, a nobre obra de Cervantes publicada no século XVII, faz o elogio aos que procuram transformar o mundo, mesmo quando este lhes responde com pedradas. D. Quixote passa a ser o livro mestre de David, a partir do qual questiona a existência, a realidade e a bondade do ser humano. David, criatura selvagem que não pertencia a ninguém, passa de certa forma a viver através de D. Quixote, do seu sonho e da sua coragem.

Há, na trilogia de Coetzee, uma sequência temporal que aconselha a que a leitura comece pelo primeiro volume, “A Infância de Jesus”. Ainda assim, a mestria da sua narrativa não defrauda quem principiar pelo fim e se abeirar de David apenas neste último livro. No cômputo, toma-se contacto com temas relacionados com a educação e o seu papel na formação da personalidade, mais convencional ou mais criativa, determinada pela capacidade do contexto e dos professores reconhecerem e potenciarem a diferença; a justiça e o pretenciosismo de quem a aplica; a morte e a vida, o que se perde e se perpetua em ambas; a família, na qual se revela frágil o equilíbrio entre os vínculos formais e os afectos; a fé, mitigada no texto pela analogia entre a vida e os números, infindáveis como a eternidade da existência; o amor improvável; o crime, a procura do lenitivo, da clemência e da expiação da culpa. Uma riqueza, como toda a obra de J. M. Coetzee, a mais realista e a mais metafórica, sempre com um gigantesco apelo à reflexão.

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Ana Ilhéu

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