“Uma criança é um lugar muito bonito onde viver.”
Roberto Piumini
“A Memória da Árvore” (D. Quixote, 2018), da escritora espanhola Tina Vallès (nascida em Barcelona em 1976), é um romance admirável pela sua doçura calma, construído de forma sensível e tocante e, paralelamente, muito inteligente, ancorado na absoluta magia de Jan, uma criança e personagem inesquecível que presta um grande apoio ao avô Joan na luta deste contra a perda da memória, a partir do momento em que os avós se mudam para a casa de Jan, em Barcelona – passando o respectivo agregado de três para cinco pessoas (”Posso ficar contente?”).
A história do salgueiro-chorão, plantado na praça principal da terra do avô (Vilaverd), será o fio condutor das conversas avô/neto, que constroem uma relação absolutamente especial através dos novos significados dados (e apreendidos por Jan) às palavras e aos silêncios. Por vezes com perguntas sem resposta, outras com respostas sem pergunta, onde Jan vai percebendo os invulgares pormenores da actual situação do avô, quando todos os outros adultos fazem o possível para que tudo pareça e permaneça igual.
“A Memória da Árvore” consegue colocar-nos, a nós leitores, na maneira mágica e doce de pensar de uma criança, quando fala de transmissão de memórias, de como estas são fabricadas e conservadas, de onde se guardam e de como, num instante, se podem perder. Das fábulas do avô, do seu tocar e de dar particular atenção às árvores, do “o olhar de vidro” que assume em determinadas ocasiões (“fosco e opaco”), da extrema atenção que presta aos nomes das ruas, que irá esquecer.
Uma obra de grande sensibilidade e pureza, escrita de forma admirável, com cada capítulo dividido em pequenos textos, uma espécie de pequenos apontamentos grávidos de sentidos que emergem da simplicidade das pequenas coisas e gestos, sentimentos e recordações, e que, surpreendentemente, emergem de um pensamento infantil (doce e amargo, em simultâneo) nos regressos da escola com o avô, sobretudo quando o avô se esquece da quotidiana sanduíche do neto (“Primeiro será a memória…”, dirá este a Jan mais tarde com olhos de vidro).
Um livro sobre as perdas mas, também, sobre o hino que devemos prestar à vida, numa lição transmitida através da mente encantadora e pura de uma criança.
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