No romance histórico “A Maldição das Pedras Negras” (Saída de Emergência, 2025), somos transportados pela escrita de Marcos D. Mateus para a década de (19)40, em plena Segunda Guerra Mundial, para as aldeias de Cabreiros e Rio de Frades, na zona de Arouca. As balas só assobiavam e as bombas só explodiam bem mais longe, por terras estrangeiras onde o teatro de guerra tinha lugar, mas foi também naquelas recônditas localidades que se disputou a luta pela Europa e a batalha contra o nazismo.
Com a Alemanha dependente do volfrâmio português para fortalecer a sua máquina bélica e a Inglaterra a tentar a todo o custo estancar o jorro desse minério que fluía das minas portuguesas para as mãos alemãs, aquelas pequenas localidades nortenhas e as suas gentes viram a sua realidade ser radicalmente transformada com a corrida às “pedras negras”.
Através de uma hábil combinação entre ficção e eventos históricos, o livro proporciona uma visão detalhada das dinâmicas sociais e económicas resultantes da exploração mineira durante a guerra nas pequenas terras da serra de Arouca, maioritariamente através da história dos “do Aido”. Composta por um pai e diversos irmãos, a família “do Aido” gere uma taberna que beneficia de um grande desenvolvimento, em paralelo com a expansão da extração mineira e o vai e vem de mineiros, “pilhas” (ladrões de minério) e outras pessoas acometidas pela febre do volfrâmio.
A personagem principal é Custódio do Aido, o mais novo dos irmãos, que mostra habilidade para os negócios e que acaba por se envolver no comércio de volfrâmio com os ingleses, incentivado por querer dar uma vida melhor à sua família – mas também pelo ódio que sente em relação aos alemães nazis e à sua crueldade para com as gentes locais. Mas ninguém escapa à “maldição” do volfrâmio, com uma sucessão de eventos que acabam por levar a tragédias e sofrimento relacionados com a exploração deste minério e as suas consequências nefastas, desde o abandono dos campos aos acidentes nas minas, à miséria que se segue a um enriquecimento efémero ou mesmo assassinatos.

As personagens são ricamente desenvolvidas, procurando reflectir a diversidade e a complexidade daquelas comunidades rurais das serras arouquenses, acompanhando a vida de aldeões e mineiros mas, também, de espiões e capatazes alemães, numa miríade de personagens que contribuem para uma teia narrativa que explora temas como ganância, amizade, lealdade ou sobrevivência. O acompanhamento destas personagens é feito em paralelo com descrições meticulosas dos ambientes circundantes, que permitem aos leitores mergulhar nos cenários pitorescos daquelas pequenas terras portuguesas.
Ao longo de 365 páginas, Marcos D. Mateus explora também as relações internacionais de Portugal durante a guerra, nomeadamente a plasticidade de Salazar que tentava “agradar a gregos e a troianos” para poder beneficiar tanto do ouro nazi como do dinheiro inglês, embora o país continuasse mergulhado num marasmo de atraso. Uma boa opção para os entusiastas de romances históricos, que procurem narrativas ricas em detalhe, emoções e descrições, oferecendo ainda uma perspectiva única sobre um período da história de Portugal que tende a ser negligenciado.
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