Mirystica fragrans, mais conhecida por moscadeira, é uma árvore perene das ilhas Banda, nas Molucas (Indonésia), da qual são extraídos o macis e a noz-moscada. À semelhança do cravo-da-índia, tabaco, pimenta e cana de açúcar, as especiarias da moscadeira são dádivas da flora terrestre que, sob a influência mercantil do ocidente, se transformaram numa autêntica maldição para milhões de seres humanos.
“A Maldição da Noz-Moscada” (Elsinore, 2023) é o destemidamente ambicioso projecto de confinamento do escritor indiano Amitav Ghosh, que relata a desgraça que caiu sobre a população bandanesa das Molucas, assim que os europeus se apoderaram das suas moscadeiras. Num livro que abrange quinhentos anos de história, Ghosh narra a expedição da noz-moscada a partir das ilhas Banda até ao ocidente.
Debruçando-se sobre um vasto repositório bibliográfico, o autor expõe as trágicas consequências da exploração dos recursos e das vidas das populações indígenas por parte do “homem branco”. Partindo do princípio da sua teoria sobre o apetite humano para a subjugação, Ghosh traça um diagrama de Venn ensaístico em que a influência histórica do colonialismo converge com a presente crise climática e com os desafios sócio-políticos do futuro.
Trata-se, efectivamente, de um livro de “verdades inconvenientes”, ao qual nós, portugueses, herdeiros de um legado colonial, não somos alheios. Foi precisamente o reino de Portugal a lançar os alicerces da economia globalista, ao controlar pontos geográficos estratégicos de modo a monopolizar o comércio das especiarias nas ilhas Molucas. Feitas as contas, o resultado da exploração destas rotas marítimas acabou por ser, segundo Amitav Ghosh, similar à experiência colonial das Américas, uma vez que resultou na completa destruição do modo de vida de inúmeras tribos nativas.
“A Maldição da Noz-Moscada” defende que desde o início da exploração das especiarias por parte dos europeus até ao Antropoceno foi um saltinho, e que “tudo isto redunda num mundo de pernas para o ar”. Senão vejamos: a expansão imperial ultramarina produziu monopólios capitalistas, cujos interesses estratégicos e geopolíticos viriam a provocar guerras imperiais na Europa. Pelo meio, e à medida que a actividade comercial se intensificou, deu-se uma revolução industrial e gerou-se um sistema de dependência de combustíveis fósseis, que por sua vez tem vindo a acelerar o aquecimento global e a agravar os seus efeitos catastróficos.
Embora se concentre no caso de estudo da noz-moscada e reflicta, sobretudo, acerca do colonialismo, capitalismo e alterações climáticas, esta é uma obra excepcionalmente abrangente nas suas abordagens temática, temporal e espacial. Não sendo propriamente um livro de história, muito menos uma obra de ciência política, económica ou ambiental, “A Maldição da Noz-Moscada” oferece-nos um retrato detalhado e particularmente arrojado de um planeta em crise.
Diria Amitav Ghosh que, enquanto os mais poderosos estados do mundo (ou talvez até algum milionário) não conseguirem reestabelecer os seus desígnios coloniais através da exploração espacial, teremos que nos contentar com o que a Terra nos dá, já que consta que, de facto, não existirá mesmo um Planeta B.
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