Não é por acaso que, no lançamento do romance “A Mais Secreta Memória dos Homens” (Quetzal, 2022), livro que levou para casa o Prémio Goncourt 2021, tenhamos um pequeno excerto de “Os Detectives Selvagens”, o melhor dos melhores romances de Roberto Bolaño.
Tal como Arturo Belano e Ulisses Lima, que arrancaram atrás das pegadas deixadas por Cesárea Tinajero, uma misteriosa escritora desaparecida no México, também Diégane Latyr Faye conhecerá a sua obsessão literária: T.C. Elimane, autor de “O Labirinto do Inumano”, o livro único que deixou escrito e que, diz quem o leu, é capaz de uma transformação que mais parece um exorcismo. Aliás, tanto o escritor como a sua obra pertencem à esfera do mito, uma vez que este desapareceu do mapa e, nas livrarias, ninguém ouviu falar deste Rimbaud negro – como o baptizou um dos poucos críticos que o leram -, ou do seu livro, publicado em 1938.
O livro chega a Diégane pelas mãos de Marème Siga D., conhecida como Aranha-mãe, uma escritora senegalesa dos seus sessenta anos que, até esse fortuito encontro, era para Diégane um porto inalcançável. Para ela, “um grande livro só trata de nada e, no entanto, está lá tudo”. Tanto que este labirinto irá transformar-se na vida de Diégane, embarcando numa epopeia ao estilo da de Ulisses, atravessando diferentes geografias na busca de um homem e, quem sabe, da continuação que este escreveu para “O Labirinto do Inumano”.
Mohamed Mbougar Sarr diverte-se, neste livro narrado a várias vozes e onde há histórias dentro de histórias, a dar bicadas ao meio literário – inclui uma brincadeira sobre o Goncourt que deve ter divertido os júris – ou a redefinir as fronteiras do plágio. A pátria desta secreta memória é a dos livros, a da literatura como uma “pátria sinistra” mas essencial, levando o leitor ao lugar onde, quem sabe, poderá nascer a literatura: “Depois, passado muito tempo, compreendi: ter uma ferida não implica que tenhamos de a escrever. Nem sequer significa que pensemos em escrevê-la. E não te estou a falar de poder. O tempo é assassino? Sim. Ele mata em nós a ilusão de que as nossas feridas são únicas. Não são. Nenhuma ferida é única. Nada do que é humano é único. Tudo se torna assustadoramente comum com o tempo. Eis o impasse; mas é neste impasse que a literatura tem uma hipótese de nascer”.
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