É um daqueles livros que, para quem se habituou a crescer à sombra dos policiais de Agatha Christie ou de Ruth Rendell, será um verdadeiro mimo literário. “A Livraria dos Gatos Pretos” (Clube do Autor, 2023) está recheado de personagens bem desenhadas, que mereciam mais umas páginas de protagonismo para dar mais um pouco de sumo ao leitor. Ainda assim, trata-se de um curto mas bem desenhado policial, com um mistério que acabará resolvido como num policial à antiga.
No centro da trama está uma livraria muito particular, que Marzio Montecristo baptizou de A Livraria dos Gatos Pretos – isto por ter sido escolhida por Miss Marple e Poirot, “os dois felinos que tinham assentado arraiais na livraria, tomando posse dela”. Uma livraria que, apesar das muitas dívidas acumuladas junto de bancos e editoras, vai escapando à penhora por entre as gotas da chuva, sobrevivendo através da resiliência de clientes fiéis.
Marzio era professor de matemática, até ao dia em que, após uma agressão com um certo grau de justificação, acabou despedido. Decidiu então abrir uma livraria dedicada ao género policial, apesar do pouco jeito para a interacção social, da pouca apetência para as vendas e de uma capacidade extraordinária para ferver numa quantidade residual de água. Vale-lhe Patricia, a ajudante da livraria com veia para as relações públicas e vendas, que lá vai conseguindo abrir a caixa registadora sempre que surge a oportunidade.
Uma livraria que é casa do Clube do Policial, que já conheceu melhores dias mas onde permanece um unido e obcecado elenco: Vittorio Scalabrini, “saído de outra época” e com uma indumentária não raras vezes fora de estação; Maina, sempre “vestida e maquilhada à moda dark”; Camilla Solinas, feitora de bons doces e com uma paixão louca por “thrillers hiperviolentos e sanguinários”; Frei Raimundo, que “parecia trazer consigo o verão” por trabalhar ao ar livre na horta comunitária; e, ainda que não presente, Nunzia, a fundadora do Clube que sofre de Alzheimer e vive agora num Centro.
A vida do Clube Policial anima quando o inspector Flavio Caruso e a superintendente Angela Dimase, vendo-se às aranhas, os convidam para deslindar o mistério do assassino da ampulheta, que obriga os sobreviventes a escolherem entre dois entes queridos. No caso de optarem por não escolher, qualquer um deles será morto.
Humor, ironia e muitas referências policiais, num convite ao leitor para que se junte a este improvável clube policial, formado por “um reformado melancólico, um frade demasiado vivaço, uma octogenária obcecada com assassinos em série, uma rapariga que se veste de preto e sonha matar alguém e um livreiro à beira da falência”. Um policial à boa moda antiga.
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