“A Lentidão” (D. Quixote, 2022 – reedição) é uma música extensa, em que cada acorde é demorado e importante para o resultado final. Uma melodia tocada, simultaneamente, pelos mais diversos artistas com as mais diversas idades, ambicionando todos a fama e a glória, uns minutos em palco e a euforia do público.
Milan Kundera conta-nos, nesta novela escrita em 1995, uma aventura de uma noite de verão em que ocorreram duas histórias de sedução, separadas por mais de duzentos anos. O narrador e a mulher vão passar um dia a um castelo/hotel francês, onde decorre um encontro de entomologistas (pessoas que estudam os insectos), e envolvem-se na história de um cientista checo e de um estudioso francês. Misturam-se, de forma subtil, o amor e a traição, o desejo e a posse, num desfecho agridoce onde ficam muitas questões por responder – algo simultaneamente estimulante e intrigante.
A pergunta que se coloca é esta: serão as banalidades e as preocupações supérfluas do Homem mais interessantes que asas de moscas? Vão ter de ler este livro e explorar a genialidade de Milan Kundera, a forma irreverente e prática como analisa o comportamento humano.
A narrativa de Milan Kundera é marcada pela nudez das palavras e o descaramento das frases – esta obra transborda rebeldia. Existe, entre as suas páginas, um paralelismo entre a lentidão e a memória e a velocidade e o esquecimento, num contraste com a velocidade a que vivemos, retratando de forma detalhada cada momento. Somente o presente importa aos personagens desta obra, que vivem para expor, em “palco”, as suas vivências e supostas glórias, dramatizando-as em prol dos aplausos.
Desengane-se, contudo, quem pensa que este livro é um conto de fadas, uma história leve que se bebe num trago. “A Lentidão” é uma obra filosófica, subjectiva e perversa, o texto é ousado e despido de preconceitos, retratando dois tipos de nudez: a nudez sensual e a nudez de espirito, a que despe quem ousa pensar diferente. A lentidão, qualidade que parece estar em vias de extinção, prevalece bem viva neste livro de Milan Kundera, onde os personagens têm tempo para retirar prazer de cada passo seu, da doce lentidão de viver.
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