Poderia, se tivesse mantido o embalo da primeira metade, ser qualquer coisa como o Kill Bill indiano, acabando, mantendo o espírito da metáfora Tarantiniana, por ficar mais perto de uma Jackie Brown – o que não é nada mau.
Assinado por Deepti Kapoor, “A Idade do Vício” (Lua de Papel, 2023) é um épico com andamento cinéfilo, uma saga em formato de triângulo que mete gangsters, lutas de poder e sede de vingança, transportando-nos para uma Índia desigual e um sistema de castas que parece estar para durar. Afinal, aqui como em muito bom lugar, “é o dinheiro que fala”.
No centro da narrativa está Ajay, que aos 9 anos de idade foi vendido pela mãe para pagar uma dívida. Um sobrevivente precoce que, de forma discreta – quase invisível -, vai subindo alguns degraus na escada da miséria. A sua vida acaba por se transformar quando conhece Sunny Wadia, “uma figura a meio caminho entre o sagrado e o profano”, “líder de um pequeno bando de folgazões, indianos que vivem como os estrangeiros, ainda uma raridade naqueles tempos”. Um pequeno e arrogante dono do mundo, mecenas das artes e figura quase mítica, preso entre uma tímida consciência social e uma inescapável vontade de agradar ao seu pai, o rosto – tal como o implacável tio – de uma classe corrupta, violenta e com tentáculos de sobra para chegar a todo o lado, neutralizando o espírito crítico e qualquer vontade de rebelião.
Mas há também Neda, aspirante a jornalista de investigação, uma combatente pelas grandes causas que, com a entrada em cena de Sunny, irá conhecer a “idade da derrota, a idade do vício”, sendo através dos seus olhos que teremos o melhor retrato deste país de contrastes sociais tremendos.
Deepti Kapoor mantém o leitor preso até à última página, num livro que retrata a podridão do sistema político ou a escorregadia escadaria social que sustentam um país onde os extremos estão à distância dos pólos terrestres. E tudo com muito mojo, como se Thurman e Travolta dançassem com tudo enquanto o mundo vai implodindo. Afinal, “não somos nós que mudamos. É o mundo que muda e que, a espaços, parece torna-nos diferentes”.
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