“A Guerra Prometida” (Gradiva, 2023), de Marco Pacheco, é um daqueles livros que não cansam. Desde logo, porque o enredo está muitíssimo bem orientado, e o estilo da narrativa tem um quê de arrojo e de imprevisibilidade, sendo fácil empatizar com as personagens e querer acompanhá-las – uma belíssima surpresa para um romance de estreia.
Como romance ficcional, representa uma viagem ao final da Monarquia, às lutas pela primeira República e ao impacto da I Guerra Mundial, tudo isto em Lisboa, à boleia da vida na cidade, com transeuntes, crianças e vendedores nas suas actividades banais do dia-a-dia. Neste quadro, uma criança transforma-se num jovem audaz, sujeito de uma vontade e perseverança pouco usual à época e, especialmente, entre as suas origens humildes. Ao melhor estilo de um épico moderno, Zé, que vivia com a família no bairro Grandella, entre casas todas iguais, trapos desbotados e rotos, fezes no chão, ratazanas a correr, miúdos andrajosos e charcos de água baça, armado de um desejo de conquista, prossegue com a decisão de amar e ser amado. Primeiro uma infantil paixão platónica e, por último, uma memória por feitos heróicos, através de uma morte que fizesse sentido, recusando-se a sucumbir, como tantos outros, na degradação de uma existência sem brilho. Decide, por isso, tornar-se combatente na primeira grande guerra.
Pelo entremeio há claramente a presença de um herói, assim se podendo chamar ao jovem protagonista que vence obstáculos e cumpre a difícil missão de persistir numa vontade férrea de conquista de liberdade e de visibilidade. A uma concepção tacanha da fé religiosa e da pesada estratificação social segue-se o convite à abertura de horizontes, e à história de um rapaz que, sem ir à escola – por ser pobre e necessário para trabalhar -, colecciona números, conquista a atenção de uma baronesa e realiza o sonho de combater por uma existência e uma morte com sentido.
O autor, Marco Pacheco, um açoriano de várias ilhas como gosta de se definir, recebeu com este livro o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís. Na atribuição do galardão, o júri considerou tratar-se de um romance que, partindo da inovadora acção empresarial e social de Francisco Grandella [1853-1934], constrói uma estória familiar e pessoal de grande alcance humano.
Aos 48 anos, Marco Pacheco é director criativo e executivo da de uma agência de publicidade. Neste seu romance de estreia, destacou o desejo de dar corpo a emoções em torno da temeridade da adolescência, da fé e da morte. A morte não apenas como fatalidade, mistério ou escapatória, mas também como um objectivo, um ideal ou uma possibilidade de redenção.
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