Este primeiro romance de Isabela Figueiredo, após um merecido reconhecimento com o Conto É Como Quem Diz (1º prémio da Mostra Portuguesa de Artes e Ideias em 1988) e a publicação, em 2009, do “Caderno de Memórias Coloniais”, é de tirar o fôlego da primeira à última página. Um romance muito bem escrito, com uma narrativa fascinante que apresenta uma absoluta originalidade na forma de narrar e de incluir o leitor.
Maria Luísa vê o seu mundo e a sua vida através das específicas condições de vida de seus pais (a mamã e o papá neste romance): uma menina de uma família nuclear retornada do então Ultramar, que se vê a si própria como gorda em todo o sentido pejorativo dado a essa qualidade na sociedade contemporânea, algo que condiciona fortemente a sua vida.
Estas condicionantes são extremamente bem retratadas, seja na vida familiar (protectora por parte da mamã e do papá), amorosa (a descoberta e o desfrutar das sensações do sexo, da volúpia e da entrega total), nas relações sociais ou na escola (onde faz poucas amigas e sofre constantes humilhações).
É um romance redentor porque Maria Luísa não soçobra, estando nesta vida para a viver intensamente e para não se deixar abater. Todas as humilhações, desgostos e traições, bem como a morte do papá e da mamã (é filha única), fazem-na dizer: “sou de ferro e ninguém me dobra, em silêncio sou sempre eu e o que em mim se compõe e apruma”.
A prosa literária confessional atinge um nível superior quando nos pinta um quadro de sofrimento pessoal e de intenso dramatismo, que não deixa o leitor indiferente e fazem de “A Gorda” (Caminho, 2016) um dos melhores romances publicados entre nós, escrito em português por uma portuguesa que evoca a realidade politica e social após o 25 de abril – de forma por vezes pungente. Escrito na primeira pessoa, espelha bem a ambivalência do ser humano (porque não morres mamã? Não morras!) e a sua intensa vulnerabilidade face a acontecimentos que fizeram a história e moldaram a vida de tantos portugueses.
A grande originalidade radica, ainda, em dois pormenores de uma enorme relevância no contexto desta obra: os oito capítulos, representando as oito partes da casa para onde esta família portuguesa veio morar, na Cova da Piedade, Almada (Porta de Entrada, Quarto de Solteira, Sala de Estar, Quarto dos Papás, Cozinha, Sala de Jantar, Casa de Banho e Hall); a Epígrafe Sonora, que a autora faz numa espécie de prólogo, evocando as músicas que escuta em cada momento da sua vida – músicas com que muitos leitores se identificarão. Atente-se ainda na advertência que a autora faz no início desta obra: “Todas as personagens, geografias e situações descritas nesta narrativa são mera ficção e pura realidade”.
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