“Fazer ressaltar certas feições específicas que parecem ser constitutivas da Literatura Austríaca – se é que tal coisa existe.” Foi este o motor criativo do alemão W. G. Sebald em “A Descrição da Infelicidade” (Quetzal, 2016), livro onde faz uma análise apaixonante do ambiente psicológico que antecedeu, condicionou e fez despertar a escrita austríaca, lugar onde se incluem nomes como os de Stifter, Schnitzel, Kafka, Hofmannsthal, Canetti, Bernhard ou Handke.
Sobre as obras de Schnitzler e Hofmannsthal, por exemplo, Sebald refere a sua importância para o “estudo das formações e deformações psíquicas“, indo para além “do mero valor ilustrativo” para promover a diferenciação dos conhecimentos numa ciência – a Psicologia – “que o pendor característico para o dogmatismo facilmente tornaria frívola“.
Para Sebald, o interesse da Áustria pela “transgressão dos limites” é algo óbvio. Segundo o autor, tal deve-se ao facto de ser “o único país vizinho do mundo” – expressão usada por Herzmanov-sky-Orlando -, uma pátria fechada sobre si própria que provocou a emigração para países distantes naquele que acabou por ser um dos temas fortes da sua literatura. Para Sebald, a cultura austríaca tem esta característica muito particular de “ter feito de si o seu próprio princípio“.
Outra das particularidades maiores da literatura austríaca será, “a infelicidade do sujeito que escreve“, dando disso Sebald variados exemplos: “O pânico da morte precoce de Raimund, o medo de ser enterrado vivo de Nestroy, as depressões de Grillparzer, o caso Stifter, os estados de melancolia em quase todas as páginas do diário de Schnitzler, os distúrbios de personalidade de Hofmannsthal, o suicídio do pobre Weininger, as manobras em que Kafka passa quarenta anos a furtar-se a viver, o solipsismo de Musil, o alcoolismo de Roth, o fim tão logicamente encenado de Horváth…”
Esta melancolia, porém, está longe de constituir um sinal de derrota ou conformismo, pois “a reflexão sobre a infelicidade consumada nada tem a ver com o vulgar desejo de morte. É uma forma de resistência (…) A descrição da infelicidade traz em si a possibilidade de a superar“. Para o leitor trata-se de embarcar em mais uma incrível viagem, onde pela mão do guia Sebald ficará a saber mais sobre A narrativa de Peter Handke sobre a angústia do guarda-redes, A estrutura temática de “O Castelo” de Kafka ou A obra poética de Ernst Herbeck. Tudo com precisão, seriedade e leveza, através da invulgar linguagem de Sebald.
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