• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Mil Folhas 0

“A denúncia” | Bandi

Por Ana Ilhéu · Em 24/10/2016

“A denúncia” (Alfaguara, 2016) são “histórias sobre pessoas que morrem de fome ou sob os golpes de um regime absurdo, mas também sobre pessoas que têm como única opção fugir do seu país para poderem sobreviver.” Bandi, pseudónimo de um escritor que vive na Coreia do Norte, serve-se da escrita para denunciar o regime totalitário do seu país:

“(…)
Vivo na Coreia do Norte há cinquenta anos,
Como um autómato que fala,
Como um homem preso por um jugo.
Escrevi estas histórias
Impelido não pelo talento,
Mas pela indignação,
E não usei uma pena e tinta,
Mas os meus ossos e as minhas lágrimas de sangue.
(…)”

Nas palavras do jornalista Kim Seong-Dong, que na Coreia do Sul recebeu e publicou os manuscritos, o trabalho de Bandi foi “feito com dor, como um parto”, com risco de vida ou não permanecesse o seu autor, ainda que incógnito, a viver num país governado de forma tirânica e antidemocrática. Ao todo o livro apresenta sete histórias que se desenrolam entre 1989 e 1995, tratando temas distintos em torno de uma mesma ideia: a exposição da realidade e a crítica ao regime vigente na Coreia do Norte.

Encontramos relatos de gente com fé e crença na mudança, na verdade partidária. A entrega a uma causa e a decepção seguida pelo confronto com a realidade, com a arrogância e prepotência de quem tem poder. Um poder discricionário e tirano.

Segue-se a vivência de uma verdadeira ditadura do proletariado, traduzida na falta de liberdade para decidir e gerir emoções tão básicas como o medo e a ansiedade, na vigilância, perseguição e denúncia permanente, mesmo entre pares. A expulsão da sociedade, quando de alguma forma o comportamento não confere com o padrão, indiferentes aos motivos que mesmo quando conhecidos são, ainda assim, deturpados em nome de uma hegemonia e interesse geral.

A criação de um inimigo comum, de uma ameaça permanente ao sistema assim justificando e mobilizando a defesa incondicional e o aniquilamento de todo aquele que ouse não corresponder ou reconhecer o valor e a hegemonia do todo. A expulsão sem expiação.

A falta de liberdade para decidir onde viver, com quem viver e como o fazer. O papel social encontra-se definido e atribuído com caracter imperativo em nome de interesses e regras corporativas, alheias e indiferentes aos desejos e afectos, mesmo no drama familiar. A vontade e liberdade individual encarada como uma ameaça, algo que é preciso cortar a todo o custo.

Uma sociedade onde chorar em público é visto como ingratidão pela felicidade proporcionada pelo grande líder e, por isso, sancionado com penas extremas.

A dificuldade de reacção instalou-se, como se todos os cidadãos estivessem domesticados. Poucos ousam sequer questionar o sistema de castas imposto pelo partido, à partida determinando as possibilidades de acesso e progressão das famílias, indiferente ao mérito. As faltas cometidas pelo elemento de uma família permanecem como um rótulo que se perpetua de geração em geração, de forma fatídica e intransponível.

A denúncia, Alfaguara, Deus Me Livro, BandiUma sociedade onde a felicidade é obrigatória e as suas manifestações em público um dever e uma injunção sob pena das mais severas sanções. Há momentos e locais onde as gargalhadas são obrigatórias, num registo de verdadeira encenação de felicidade do povo, obrigado à veneração do seu grande líder, do partido e da gratidão geral e permanente, independentemente das condições deploráveis e paupérrimas em que a maioria vive.

A montagem é constante. Vestir o papel é uma questão de sobrevivência ainda que a existência seja tóxica, anestesiada pelo “cogumelo vermelho”, denominação atribuída ao partido e ao seu grande edifício vermelho.

Num livro revelador de grande desespero e humanidade dos seus personagens, Bandi coloca-nos em contacto com o quotidiano do seu país, recorrendo a relatos da vida do povo, de sobrevivência e surrealismo. No final, ressoa o apelo contra a indiferença.

A denúnciaAlfaguaraBandi

Ana Ilhéu

Pode Gostar de

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito, Mil Folhas

    “Uzumaki” | Junji Ito

  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey, Mil Folhas

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas, Mil Folhas

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito,

    “Uzumaki” | Junji Ito

    03/06/2025
  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey,

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

    02/06/2025
  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas,

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

    02/06/2025
  • Boa Noite Punpun 3, Boa Noite Punpun, Inio Asano, Deus Me Livro, Devir, Crítica,

    “Boa Noite, Punpun 3” | Inio Asano

    02/06/2025
  • Eu (Odeio) Adoro Livros, MariaJo Ilustrajo, Deus Me Livro, Fábula, Crítica,

    “Eu (Odeio) Adoro Livros” | MariaJo Ilustrajo

    30/05/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • June 2025
  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto