No prefácio ao mais recente título da Ephemera – Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira -, Pacheco Pereira fala da importância da entrada do acervo oferecido pelo coronel Rodrigo de Sousa e Castro, relativamente à conservação de um conjunto de documentos essenciais para a nossa História dos últimos 50 anos: “Esse acervo acompanha a vida militar e política de um dos homens que fizeram o 25 de Abril e que contribuíram, pela sua acção, para a consolidação do regime democrático.” Mas, também, “um cidadão empenhado na acção pública, atitude que mantém até aos dias de hoje.”
“A Conquista das Almas” (Tinta da China, 2016), quarto título da colecção Ephemera, apresenta um conjunto de documentos “secretos” que fizeram parte da acção psicológica que teve lugar no norte de Moçambique, bem como os panfletos e cartazes produzidos para combater a FRELIMO. O livro inclui também um ensaio de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, dois militares com conhecimento em 1ª mão da guerra de acção psicológica.
Os cartazes e os panfletos mostrados deste livro – e que fazem dele o mais visual até ao momento da colecção e um verdadeiro testemunho do marketing de guerra e da contra-informação – reflectem uma multiplicidade étnica e linguística, bem como a complexidade associada a um combate feito no terreno por guerrilhas. É também feito um diagnóstico – ainda que superficial, dado não ser esse o seu objectivo – aos meios e conhecimentos que o Exército Português tinha – ou não – ao seu alcance, aflorando as histórias e a miséria que estão sempre associadas a um conflito.
O livro conta também, o que pode ser olhado como uma pequena homenagem, a história dos moçambicanos que passaram para o campo do ocupante, e que acabaram, na sua grande maioria, executados, torturados ou na prisão.
No interessantíssimo ensaio fala-se, entre outras coisas, do dilema que teve então Salazar para conseguir integrar, no grupo vencedor dos Aliados e maioritariamente constituído por democratas, um regime de ditadura. E, em paralelo, o de conseguir manter as colónias num período marcado pelo movimento descolonizador apoiado pelas superpotências. Ou, também, do clássico espírito lusitano do “esperar para ver”, que fez com que as Forças Armadas fossem equipadas de forma desadequada e tardiamente. Uma guerra que, como se veio a provar, que não antevia qualquer futuro, quer para os soldados como para as próprias populações.
Para além dos cartazes e dos panfletos, é também referido o papel da rádio e da imprensa neste jogo de guerrilha informativo e visual. De referir que a pasta de documentação do acervo Sousa e Castro é reproduzida na íntegra e por ordem: começa pelos documentos militares secretos portugueses referentes à “encomenda” de panfletos e cartazes, incluindo elementos sobre a sua produção e distribuição e a identidade das pessoas que neles figuram, seguindo-se os próprios cartazes e panfletos. Um documento histórico em mais uma grande edição da Tinta da China.
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