É um nome de culto para apreciadores da literatura fantástica mais sombria. O americano Glen Cook foi dos primeiros escritores a inventar um mundo de fantasia realista e violento, povoado de personagens sem moral, onde há mortes e sangue à tripa forra. Quem procura os ideais de beleza e virtude dos elfos de Tolkien não vai encontrá-los nas páginas de “A Companhia Negra” (Saída de Emergência, 2019).
O livro é o pontapé de saída de uma série extensa que já vai em dez tomos, na qual seguimos uma unidade de elite de mercenários com algumas centenas de homens. A história é contada pelos olhos do seu cronista, simultaneamente o Médico da Companhia, a quem todos chamam o Físico. Ao serviço da Companhia há também três bruxos – o Silencioso, o Duende e o Zarolho -, poderosos feiticeiros que servem de arma secreta nos momentos de apuros. Sempre em constante picardia, são os membros mais bizarros do Batalhão.
Depois de uma refrega na cidade de Beryl, a Companhia é contratada por uma figura sinistra chamada Caça-Almas, vestida de couro preto da cabeça aos pés, com máscara e um capacete medieval. O Caça-Almas trabalha para a Senhora, uma espécie de semi-deusa do mal, entidade tão poderosa quanto cruel.
A Senhora está em guerra com os Rebeldes no Norte, e a Companhia Negra atravessa o mar para dar apoio no combate. Depois de uma série de peripécias envolvendo os Tomados, espécie de Conselho de Estado da Senhora, composto por personagens de pesadelo como o Enforcado, o Uivador ou a Tormentosa, o livro culmina num cerco, onde ocorre a mais sangrenta das batalhas. Não faltam seres hediondos, bestas furiosas de corpo felino, tapetes voadores e flechas de prata. É um mundo amoral, povoado de magia, em que a traição espreita a cada esquina.
É curioso que a história seja contada pelo lado dos vilões, embora a distinção seja incerta neste mundo. “O Mal é relativo, Analista”, exclama a Senhora a dado ponto. “Não podes pendurar-lhe um letreiro. Não podes tocá-lo, saboreá-lo, ou cortá-lo com uma espada. O Mal depende do ponto de vista, do local onde apontas com o teu dedo acusador”. Hoje em dia, os personagens angustiados, de moral duvidosa, são comuns. Em 1984, quando saiu este livro, era uma perspectiva inovadora e fresca na escrita fantástica.
Cook não perde tempo com longas tiradas filosóficas ou descrições poéticas – tudo neste livro é acção, com frases curtas e descrições lacónicas. A narrativa é enxuta, sem floreados, e não há grande investimento na vida interior das personagens.
Nos primeiros capítulos o relato é custoso de acompanhar: somos largados no meio do enredo sem explicações prévias. Ao longo do livro, a escrita é parca em pormenores, e acontecimentos importantes são descritos em duas ou três frases curtas. Como resultado, sentimos por vezes a narrativa como desconexa e nebulosa, e há alturas em que andamos às apalpadelas para conseguir compreender a história. Ainda assim, para quem gosta de fantasia, é um livro interessante, precursor do trabalho de escritores actuais do género, como Steven Erikson, muito influenciado por Cook.
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