Luís Pedro Cabral, jornalista de formação, nasceu em Lisboa, em 1969. É, há largos anos, colaborador do Expresso e da Visão. Publicou reportagens em variadíssimas partes do mundo, em inúmeros jornais e revistas nacionais e internacionais. Tem, igualmente, vários contos publicados na revista Egoísta.
Este seu primeiro romance, intitulado “A Cidade dos Aflitos” (Guerra & Paz, 2018), debruça-se sobre um dos maiores flagelos humanos: a doença oncológica. Num estilo narrativo muito claro e eficaz – detentor de um lado emocional bem estruturado e tocante -, Luís Pedro Cabral move-se entre a realidade e a ficção, numa cidade dentro da cidade: a cidade dos aflitos – o Instituto Português de Oncologia, cheio de valorosos “soldados”, os doentes. As histórias das suas personagens entrecruzam-se com a própria história familiar do autor, escrita e descrita de forma contida, mas emocionalmente inteligente e profunda. Estas são as vidas perturbadoras e ternas de personagens absolutamente reais, que podiam ser cada um de nós, numa cidade em que ninguém quer entrar mas onde, apesar de tudo, a esperança persiste.
Um carteirista que já só pensa em se reformar, um extraordinário construtor de violinos (Luthier) cujos instrumentos musicais encantaram plateias em todo o mundo (no pungente ultimo capítulo iniciado no Centro Cultural de Belém), um forcado a enfrentar agora a mais vil besta, uma menina abruptamente forçada a crescer, uma mulher que poderíamos designar por indomável e o Doutor, um médico absolutamente perdido na sua dor. O que une estas personagens tão distintas, com vidas tão diferentes e com referências e valores tão díspares, é o denominador comum que partilham e os obriga a irmanarem-se: o cancro.
“Os anjos não têm asas na cidade dos aflitos. Usam batas de vez em quando. Não é fácil reconhecer um médico quando se mistura nos outros, para se disfarçar de ninguém. Os médicos desenvolvem muitas defesas. Há pessoas que envelhecem lentamente, outras que envelhecem depressa. O doutor tinha envelhecido até ao ponto óptimo de camuflagem. Nada o distinguia de um velho soldado, como tantos que percorrem a cidade. Tornou-se algo suspeito quando médicos devidamente identificados se detinham para o cumprimentar. Não o faziam como se faz aos doentes. Faziam-no sem o menor vestígio de sorriso dúctil, sem aquela remota expressão comiserada, tão difícil de evitar, sem um daqueles súbitos esgares de seriedade, de quem se interrompe para discutir um caso clínico, sem um qualquer sinal que denunciasse um doente em vez de um médico, nem sequer a cortesia de uma festinha no antebraço. (…) Num ápice a sua face tornou-se evidente, como uma Polaroid agitada. Era o Doutor.”
Um livro muito humano, a ler com a alma, dividido em sete capítulos, cada um deles construído com uma “atenção empática invulgar”(palavras de Gonçalo M. Tavares), escrito de forma esclarecedora que dignifica magistralmente os soldados e esta Cidade dos Aflitos. ”A cidade e as pessoas formam uma complexa unidade que se divide constantemente. É como se a cidade fosse um corpo e as pessoas fossem células”.
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