“Encontrei este conto numa biblioteca no Alasca. Eu estava lá para apresentar um livro e pus-me a ver as estantes, antes de a sessão começar. Peguei num livro de contos populares e, ao ler o índice, reparei num conto que se chamava «A Caveira». Pensei logo que era um bom título. Fiquei ali a lê-lo, pu-lo novamente na estante, fiz a minha apresentação e saí da biblioteca.”
Assim começa a nota de autor, deixada no final de “A Caveira” (Orfeu Negro, 2023) por Jon Klassen, autor que tem tido direito a tratamento VIP no Deus Me Livro. A história de Klassen acabou por se revelar bem diferente da do conto tirolês pelo qual se tinha perdido de amores no Alasca, tendo o cérebro alterado bastante a história original no confronto com a memória. Aliás, Klassen diz gostar dos contos populares precisamente por estes permitirem ser alterados por quem os conta – afinal, “quem conta um conto acrescenta um ponto”.
Neste livro, servido em capa dura e com um texto bem mais longo do que nos habituámos a ler em Klassen, a protagonista dá pelo nome de Olívia. Apesar da tenra idade, a pequena vai caminhando sozinha pela floresta, com uma voz, o vento ou a sua imaginação a gritarem pelo seu nome. Depois de um ataque de choro seguido de um assomo de coragem, acaba por descobrir uma “casa muito grande e muito velha”. Ao contrário da clássica bruxa ou de uma fachada adornada por doces, Olívia é recebida por uma caveira falante, que da janela de rede lhe promete dar abrigo em troca de transporte. “Sou apenas uma caveira, é-me difícil rebolar de um lado para outro”.
Depois de uma visita guiada à casa e ao passado da caveira, esta revela a Olívia um tenebroso segredo: todas as noites, seme xcepção, um esqueleto sem cabeça move-lhe uma perseguição tenaz. Ao contrário de se deixar dominar pelo terror, Olívia decide assumir o papel de protectora, dormindo com um olho aberto e arquitectando um plano para devolver à caveira as noites tranquilas.
Jon Klassen opta por deixar de lado as respostas a perguntas como “porque fugiu Olivia de casa?” ou “a quem pertencia o esqueleto” e, com isso, centra-se no mais importante: uma estranha, improvável e sentida amizade. As ilustrações são, como sempre, pura Klasse(n), numa história entre o arrepio e a ternura onde o ilustrador dá livre curso ao humor sem expressão do qual é rei incontestado na literatura infantil. Por aqui, já se vai pedindo uma enciclopédia de contos populares revisitada por Jon Klassen.
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