Já imaginaram uma casa com vontade própria? Pois bem, a casa de Marinka muda de local sem aviso prévio: “levanta-se a meio da noite e afasta-se“, para bem longe, em grande velocidade, escolhendo sempre lugares despovoados e solitários onde dificilmente se avista um ser vivo -“mortos, esses, vi uma data deles, naturalmente”.
Já imaginaram uma casa com patas de galinha? A casa de Marinka, com patas de galinha, consegue percorrer “cento e cinquenta quilómetros ou mil e quinhentos”, em grande velocidade em busca de um local bem longe da cidade.
“A Casa com Patas de Galinha” (Minotauro, 2018) é uma narrativa de fantasia e aventura, com ligações ao mundo das fadas e das bruxas, onde Marinka, neta de Baba Yaga, sonha com uma vida normal: fazer amigos, ficar com eles e viver numa casa que fique sempre no mesmo local. Um pequeno sonho mas de difícil concretização. Um dia, Marinka é convidada para uma casa normal, com pessoas vivas. Será que quando acordar a sua casa estará no mesmo local? Ou que a sua vida pode mudar?
Marinka vive com a sua avó, Baba Yaga. “Baba é calma e sábia, e adora esta vida com os mortos. Fá-la sorrir e cantar e dançar. Mas eu não sou como ela. Não sou nada como ela. De súbito, ocorre-me um pensamento e com ele um arrepio gelado corre-me nas veias.
– Não é a minha avó de verdade, pois não?”.
O seu coração é invadido por múltiplas interrogações: “O que sou eu? Uma alma perdida que se recusou a travessar o Portão, tornada real, ou quase real, pela magia da casa. Se só sou capaz de existir aqui, perto da casa, que tipo de vida é esta?”.
A casa. Lugar de crescimento, de refúgio e abrigo, de reencontros, intimidade e afectos. A casa do sonho, da infância e da família, o centro do mundo como unidade e identidade. “A casa suspira e abraça-me com mais força. Embala-me para me adormecer por baixo das estrelas, como costuma fazer quando eu era pequena, e a meio da noite sinto as vidas erguerem-me e levarem-me para dentro e enfiarem-me na cama. E, embora eu não saiba o que irá acontecer a seguir, sinto-me melhor por dizer a verdade, e por saber que eu e a casa iremos descobrir as coisas juntas”.
Esta aventura, envolta num ambiente negro e escrita numa linguagem acessível, transporta-nos até ao folclore do leste europeu. Nos contos russos, Baba Yaga é uma bruxa que voa em um almofariz. Vive numa cabana na floresta, muito pequena, e dança sobre um par de patas de galinha, rodeada de ossos humanos com crânios no alto de cada poste. Personagem enigmática, ora maligna ora benigna e, por vezes, com instintos maternais.
Em cada capítulo surge uma pequena ilustração a preto e branco, alusiva a flores e caveiras, recordando-nos a floresta e os mortos que por lá moram. Ao longo do livro somos surpreendidos por páginas duplas, em tons de preto e branco, assim como por pequenas ilustrações, em páginas soltas, que ajudam a manter a magia bem viva.
Sophie Anderson é geóloga e professora de ciências. Gosta de caminhar e de praticar canoagem. O seu sonho é criar histórias que estimulem a curiosidade dos mais jovens para explorar o mundo.
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