Tem todo o ar de ser mais um livro da bibliografia de Maurice Sendak, que a Kalandraka tem vindo a publicar como se não houvesse amanhã, o que não deixa de ser uma meia verdade. Isto porque, em “A Cabra Zlateh e Outras Histórias” (Kalandraka, 2019), cabe a Sendak o papel de ilustrador, estando a missão da escrita muito bem entregue a Isaac Bashevis Singer, que abre o livro com um piscar de olho à filosofia:
“As crianças ficam tão desorientadas com o passar do tempo como as pessoas crescidas. O que acontece a um dia que acabou? Onde estão todos os ontens com as suas alegrias e tristezas? A literatura ajuda-nos a recordar o passado com os seus diversos estados de espírito. Para o contador de histórias, o ontem ainda está aqui, tal como estão os anos e as décadas que já lá vão.”
Neste livro, que Isaac Basevis Singer dedica às crianças que não tiveram a possibilidade de crescer, são sete as histórias reunidas, quase todas elas atravessadas pelo Hanukkah, uma festa judaica celebrada durante oito dias a fio – e também conhecida como o Festival das Luzes.
O Paraíso dos Tolos traz-nos um rapaz tremendamente preguiçoso que, num certo dia, decide estar morto, de forma a poder viver despreocupadamente no Paraíso. Uma doença pouco comum que terá uma cura à altura; em O Conto da Avó adormecem-se as crianças com a história de um forasteiro que não tem sombra, aparentemente sinal de que temos demónio, mas esta gente pequena não se assusta facilmente; A Neve em Chelm transporta-nos para uma aldeia habitada exclusivamente por loucos que, no dia em que vêem a lua reflectida num barril de água, fecham-no bem para esta não poder sair. Um lugar de gente com nomes tão castiços e reveladores como Tudras Pateta ou Lekisch Idiota; Os Pés Baralhados e o Noivo Pateta apresenta-nos aos casamentos arranjados e a um noivo tão estúpido, tão estúpido que, depois de fazer asneiras umas atrás das outras onde tudo morre ou se perde, vai repetindo sem grande convicção: “– Para a próxima vez já sei o que hei-se fazer”; O Primeiro Shlemiel é um tipo pouco responsável, que parece incapaz de tomar conta tanto de um bebé chorão como de um galo que se quer fazer à rua; O Ardil do Diabo mostra-nos como enganar o chifrudo e salvar o Hanukkah; a colectânea de histórias termina em grande com A Cabra Zlateh, uma bonita história de amizade e sobrevivência.
Uma bonita edição de capa dura, para guardar na prateleira dedicada a Maurice Sendak – que, aqui, dá vida às histórias de Isaac Basevis Singer com o seu toque de estranheza, traquinice e grotesco.
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