Diz-se que, uma vez na internet, para sempre na internet. Mas a teoria da permanência digital não se deve aplicar à blogosfera. É verdade que os blogues portugueses mais relevantes continuam online, apesar de abandonados e caducos. Prevê-se que sigam o mesmo caminho de outros que, entretanto, já foram suprimidos dos servidores do blogspot.com ou blog.sapo.pt.
“A Blogosfera Portuguesa: Da Coluna Infame ao Ocaso de uma Era” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021) descreve um período “em que escrever na internet não dava dinheiro, nem borlas em restaurantes, nem cremes para as rugas”. O livro debruça-se sobre a época dourada do ciberespaço em Portugal — a década de 2000, durante a qual milhares de pessoas criaram e alimentaram blogues individuais ou colectivos que abrangiam uma “miríade de assuntos, alternando o empírico com o ficcional”.
A tarefa de inventariar e discorrer acerca de centenas de weblogs nacionais foi confiada a Sérgio Barreto Costa, que recorre ao conhecimento de causa e ao humor sarcástico para expor os blogues que mais se evidenciaram no plano político e cultural do país, principiando pelo Coluna Infame de João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia, que inauguraram a arena de feroz escaramuça ideológica na qual a blogosfera portuguesa se viria a transformar. Mais tarde, e em paralelo com o fatal êxodo de bloggers para as redes sociais, autores influentes como Rui Tavares e Assunção Cristas foram recrutados para os “gabinetes de poder” ou migraram para as colunas de jornal e espaços de comentário televisivo, como foram os casos de Maria João Marques, Henrique Raposo e Daniel Oliveira.
A blogosfera nacional foi, por excelência, o palco da “obra virtual” de intelectuais, spin doctors, criativos e agitadores. Em cena estiveram “teorias disruptivas”, filosofia de café, propaganda, boatos, picardias, e uma infinidade de “tricas políticas”. Em “A Blogosfera Portuguesa” cabem referências à “escrita irascível e mal-humorada” de João Gonçalves em Portugal dos Pequeninos, a militância do Blog de Esquerda, a “retórica agressiva” de João Galamba e a arte visual de páginas como E Deus Criou a Mulher, que consistia em fotografias de, pois claro, mulheres… para além de “textos sobre assuntos menores — cinema, música, política”.
Após ter cumprido o seu desígnio social (tão polarizador quanto comunitário), a blogosfera saiu da vida dos portugueses como havia entrado: de mansinho. Para referência de gerações vindouras e de nostálgicos contemporâneos ficaram as ruínas de blogues que marcaram uma geração, como é o caso d’O Meu Pipi, cuja autoria ainda hoje é uma incógnita. Mais cedo ou mais tarde, é provável que este formato abandone, por completo, a internet. Felizmente, se tal vier a acontecer, teremos sempre este livro para contar a história.
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