Antes de se lançar no métier sozinho, Anders Roslund andou muito bem acompanhado, iniciando uma prática que viria a ganhar adeptos: a escrita a duas mãos, mais concretamente com Hellström. O par, que no início teve dificuldade em ser aceite – com argumentos tão simples como o do sistema informático não aceitar dois apelidos unidos com um & -, marcou presença e seguiu em frente, numa parceria que viria a fazer a diferença na escrita “nórdica”, alcançando o merecido reconhecimento.
A esta conquista estarão, claro, ligadas as suas próprias histórias pessoais: Roslund, um distinto jornalista; e Hellström, dirigente de uma ONG dedicada à reabilitação de presos – ele próprio um ex-preso. A proporção da sua escrita era composta de 50% ficção e 50% realismo, numa perspectiva de criar uma base mais ampla para o romance policial sueco: pretendiam que o “quem” e o “quando” do thriller fosse complementado por um “quê”, um “como” e um “porquê”.
Quando se lançou a solo, Roslund manteve o mesmo princípio, acrescentando-lhe uma outra premissa base: a condução da história através de duas perspectivas em simultâneo – a do detective e a do agressor ou vítima.
“A Aniversariante” (Porto Editora, 2020) tem início quando o superintendente Ewert Grens se vê destacado para um caso normal de roubo com arrombamento. Porém, uma vez chegado ao local do crime, apercebe-se de que nada tinha sido roubado, e de que já lá tinha estado 18 anos antes, chamado então para investigar o homicídio de uma família – pai, mãe e dois filhos – ocorrido durante a festa de aniversário da filha mais nova, de 5 anos de idade, a única que conseguiu sobreviver. Um caso que ficou por resolver, e que desde então o tem atormentado.
A par do puzzle de milhares de peças em que se torna a investigação, existe também o plano da “presa” – neste caso personificado por Piet Hoffman, um infiltrado. Roslund regressa ao tema da utilização (embora proibida), pela polícia sueca, dos infiltrados e dos informadores, já tratado em “Três Segundos” (Planeta Editora). E o que se vive é o terror de quem é procurado e se esconde, uma angústia sólida e um nível de desconforto que incomoda bem no fundo, uma sensação que nem o mais confortável cadeirão de leitura consegue aliviar. A sensação é a de estarmos no meio de uma caçada, sendo aqui clara a supremacia do caçador, o desafio da procura e a meta de alcançar de forma triunfante o troféu, em oposição ao terror de quem se esconde e corre para se manter vivo. Esta dupla visão torna esta “aniversariante” numa experiência intensa e singular no universo da literatura policial/criminal.
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