Entre o espírito detectivesco e uma tenra cusquice. É entre estes dois territórios que se move a curiosidade da pequena Graça, inquieta por saber quem é o misterioso homem que se mudou para o 1º Direito do prédio em frente ao seu.
“Uma história com intriga, muitas janelas e uma Graça indiscreta”. É esta a promessa feita ao leitor no lançamento de “1º Direito” (Pato Lógico, 2020), onde Graça, a narradora e investigadora de 8 anos, se interroga sobre aquilo que as pessoas fazem nos seus tempos livres, dedicando por isso os seus à “observação de pessoas” – ou people watching, como explica a um pai desaprovador -, olhando para o prédio em frente como se este fosse uma espécie de TV ao vivo, em directo e sem a necessidade de recurso a equipamentos electrónicos.
Um regalo para a vista mas, também, para os ouvidos, em fragmentos e conversas que lhe chegam da rua, do café ou da barbearia: as conversas polémicas sobre futebol; os “debates sobre política, economia e outros assuntos de adultos”, que muitas vezes acabam com um “isto antigamente não era assim”.
Quanto aos moradores, Graça pode assistir às passagens de modelos de uma hospedeira; aos ensaios de Roberto Raposa, que infelizmente morrem nos seus headphones; ou ao terno exercício da paternalidade por parte de um casal de advogados de divórcios. Mas o grande mistério reside no 1º Direito, habitado por “um homem de ar sério, que passa os dias a olhar para o infinito”. Para Graça, a decisão está tomada: levar esta investigação particular até ao fim.
Ricardo Henriques leva-nos a conhecer a vida de um bairro como tantos outros, mas também a mudança de hábitos que o tempo sempre traz e, tire-se o chapéu, a folhear a colecção de direitos que Graça tem vindo a coleccionar, seja o direito à preguiça, os direitos dos animais ou, o seu preferido, aquele que é dito por polícias zelosos: “Tem o direito de ficar calado, tudo o que disser pode e será usado contra si…”.
As ilustrações de Nicolau são feitas de tons quentes, provavelmente inspiradas na janela indiscreta de um tal de Hitchcock, desenhando planos cinematográficos centrados nos vermelhos, nos laranjas e em tons de areia que captam a vida pulsante de um bairro.
Sem Comentários