Quando pensamos em Salman Rusdie, vem-nos logo à memória a imagem de um homem com a cabeça a prémio, após a edição, no já longínquo ano de 1989, de “Versículos satânicos”, considerado uma ofensa a Maomé e ao Islamismo.
Em 2006, o italiano Roberto Saviano editou “Gomorra”, livro que documentava a actuação das máfias italianas e a sua relação com as instituições do país. A partir de Outubro desse mesmo ano, Saviano passou a viver sob a escolta permanente de cinco policiais, mudando constantemente de endereço e evitando aparecer em locais públicos, em virtude das muitas ameaças de morte feitas por mafiosos.
Oito anos depois, o autor italiano regressa com “Zero zero zero” (Objectiva, 2014), uma reportagem fascinante sobre a cocaína, umas das forças mais poderosas e obscuras da economia global. E, como que pressentindo a chegada de mais um camião de gente suspeita, Saviano dedica o livro aos seus melhores amigos: “dedico este livro a todos os policiais da minha escolta. Às 38000 horas passadas em conjunto. É às que ainda estão por passar. Onde quer que seja”.
Numa introdução avassaladora, Saviano fala da forma sub-retícia como a coca se tem instalado na sociedade, num hábito ou rotina que em muita gente terá equivalência num café ou numa boa sobremesa, mas aqui longe de qualquer glamour: “A coca é a droga perfomativa. Com a coca podes fazer o que quer que seja. Antes de te rebentar o coração, antes de reduzir o teu cérebro a papa (…). É a gasolina dos corpos. É a vida que se eleva ao cubo. Antes de te consumir, de te destruir.”
Num livro-documentário com uma dimensão humana onde se vão amontoando corpos, Saviano faz desfilar histórias de pessoas, carrascos ou vítimas, apresentando uma radiografia de um bem que, perante a escassez de recursos ou a inflacção dos mercados, simplesmente se recusa a parar. Aceitam-se apostas: depois da máfia italiana e dos cartéis de droga, quem serão os próximos inimigos de Saviano?
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