Em circunstâncias normais, seria difícil imaginar Baltazar e Ema numa mesma sala, disputando um antiquado gravador de cassetes para, cada um à sua maneira, contar como tinham ido parar ao Oceano Pacífico, perto de Polinésia Francesa, numa casa construída na cratera de um vulcão adormecido.
“Viagens de Chapéu” (Oficina do Livro, 2015), livro da autoria de Susana Cardoso Ferreira que levou para casa o Prémio Literário Maria Rosa Colaço 2014, começa com uma ida ao Museu Nacional de História Natural e Ciência, onde está patente uma exposição com «um nome brilhantemente estapafúrdio»: Gabinete da Politécnica – o Importantário Estetoscópico.
Antecipando-se aos pais em vários minutos, Baltazar deambula livremente pela Exposição, até se deparar com um estranho manequim, «um senhor de madeira, rechonchudo, com uma cara sem expressão e braços articulados nos ombros, nos cotovelos e nos pulsos.» Recorrendo a um instinto cleptómano até então por ele desconhecido, Baltazar decide pegar na cartola que adornava a cabeça do boneco, colocando-a disfarçadamente na sua própria.
Instantes depois, Baltazar percebe que tem na cabeça uma cartola voadora, que o levará até uma ilha e a uma casa que «parecia desenhada por um arquitecto bêbado.» Será nessa casa que encontrará Ema, com quem embirrará desde o primeiro instante, mas também Amélia B. Langor, a dona da casa e a fabricante de tão estranhos manequins e cartolas, que veste uma indumentária indiscritível e parece não passar de uma típica embirradora defensiva, incapaz de ser convencida a deixar o vulcão para se aventurar, ela própria, pelo mundo: «o nevoeiro londrino faz-lhe reumático; os croissants franceses fazem-lhe azia; as flores holandesas alergia.» Conseguirão os dois amigos levar a bom porto a sua tentativa de levar Amélia a sair de casa, enquanto ouvem a história da ocupação do vulcão que remonta ao ano de 1606 e ao jovem Simão Longor, um rapaz de 14 anos?
Com ilustrações a preto e branco da autoria de Susa Monteiro, “Viagens de Chapéu” é uma divertida história sobre como as grandes mudanças por vezes surgem a partir dos acontecimentos mais improváveis. E se, como diz Amélia, «só é pena que gente não seja coisa que se invente», ela própria irá descobrir que essa mesma gente tem, dentro de si, um poder tremendo: o da própria reinvenção.
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