Escritor, argumentista e realizador, o eborense Possidónio Cachapa é uma das vozes mais peculiares da arte de escrever romances em Portugal.
No seu currículo pontuam obras como “Nylon da Minha Aldeia”, Materna Doçura” e “Viagem ao Coração dos Pássaros” (Marcador, 2015), este último cuja primeira edição data de 1999 mas que volta aos escaparates via editora Marcador, de cara lavada e alvo de revisão do autor tendo por base o texto original.
É assim que regressamos ao Portugal insular à boleia de uma narrativa que aponta – e se fixa – a um mundo particular de um personagem ímpar, cuja pureza nos remete para uma visionária ligação com a Natureza e para com os seus semelhantes.
No centro deste do mundo que é “Viagem ao Coração dos Pássaros” está Kika, uma menina-mulher visionária cujos poderes inatos dão acesso ao âmago do ser humano e permite fazer uma douta reflexão sobre as contradições e a dialética da vida, do amor, da perda, da ausência.
Sob a batuta de uma (viciante) prosa e com um forte sentido de dramatismo circunstancial, ao leitor é permitido realizar um trajecto onírico que reúne magia, ilusões e sonhos perdidos. Com a ajuda do seu anjo da guarda, Kika, filha de um ausente Filipe e de uma incompleta e sensual Evangelina, descobre a vida da pior das formas; isto é, à sua exclusiva conta e exclusividade.
Pelo meio surgem personagens laterais, mas não secundárias, que ajudam a contextualizar uma estória que leva o leitor, pelas nuvens, da Madeira até à Venezuela, fazendo escala nos sorrisos ou lamentos de Adalberto, o fura-mundos, ou do Escritor – este último uma espécie de “auto-retrato” de Cachapa.
Ao milagre da existência, Possidónio Cachapa junta a beleza da natureza local à matemática da vida, que pode ser dura, supersticiosa, alvo de preconceito e metáforas que norteiam personagens que, por exemplo, têm uma moreia dentro de si, de outros que sentem a partida e outros o simples e doloroso ficar.
Fora do seu âmbito mais surreal, este é também um livro que versa sobre o amor, sobre a paixão de Filipe e Etelvina, de Etelvina e Adalberto, da relação circense de Blirina e Ocarino, da doentia relação entre o Escritor e Kika, da existência, seja ela breve ou eterna.
Para ler ou reler, “Viagem ao Coração dos Pássaros” é um livro inteligente, subliminar ou em estado bruto, ora doce ora amargo, mas acima de tudo uma maravilhosa experiência literária onde a acutilância do seu todo o torna de leitura obrigatória.
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