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Vergílio Ferreira centenário com frases escolhidas e a obra reeditada

Por Pedro Miguel Silva · Em 27/01/2016

No ano do centenário do nascimento de um dos mais marcantes escritores portugueses do século XX, a Quetzal tomou em mãos a nobre missão de (re)editar a sua obra, além de oferecer, aos coleccionadores e adeptos das citações, um livro que apresenta “1000 Frases de Vergílio Ferreira” (Quetzal, 2015), seleccionadas e organizadas por Luís Naves, escritor que tem também os seus dois últimos romances publicados pela editora.

Reconhecido por muitos como um dos mais completos e emblemáticos autores portugueses, Vergílio Ferreira (1916-1996) tem uma vasta obra distribuída pelo romance, contos, ensaio filosófico e literário, além de nove volumes de diário.

O Caminho Fica Longe, 1000 Frases de Vergílio Ferreira, Vergílio Ferreira, Quetzal, Deus Me LivroO livro de citações está dividido em temas como Amor, Crença, Melancolia, Portugal ou Sabedoria, sendo apresentado, para cada uma das frases, a fonte literária a que foram arrancadas, resultando em qualquer coisa como – da nota do editor – “pequenos furtos isolados” à obra de Vergílio Ferreira.

A par de “Aparição” e “Longe, Fica a Estrada”, chegou às livrarias “O Caminho Fica Longe”, o primeiro livro de Vergílio Ferreira escrito em 1939 e publicado quatro anos mais tarde. Juntamente com “Onde Tudo Foi Morrendo” e “Vagão J”, integra a trilogia neo-realista que inaugura a obra do autor, introduzida ao longo da narrativa através dos escritos de um colega de Rui, o protagonista do romance.

A acção passa-se em Coimbra, num meio universitário feito de muita boémia e, também, de algum estudo. Rui é filho de pais pobres, e é nele que a sua mãe – que a certa altura vem viver para Coimbra para acompanhar o filho – deposita as esperanças da família para sair de Coimbra com o canudo de médico debaixo do braço.

Rui é um rapaz extremamente inseguro, com pouco jeito para as miúdas, franzino, débil, enfezado e com umas pernas feitas de osso e pêlo. Ainda assim estabelece uma relação de namoro com Amélia, uma rapariga que “tinha no curveado do corpo uma sinalização para a cama”, segundo rezavam as crónicas masculinas da época.

Provinciana e desconhecedora dos fortes códigos de então, Amélia acaba por se vestir e comportar de uma forma que será mal interpretada, que nos dias de hoje rotundaria em nomes como “galdéria”, “maluca” ou “oferecida”. Facilmente influenciável pelo seu amigo Rodrigues – que segundo Rui “teria o sentido justo de equilíbrio na vida” -, Rui desiste do namoro, ficando o leitor com a ideia de que há algo de muito desajeitado nele próprio, um medo do contacto físico e de se perder na nebulosidade e incerteza do amor – e ao mesmo tempo de conseguir compreender a mulher.

O romance é todo ela atravessado por uma grande melancolia, mas sobretudo pela ideia de que, para encontrar a salvação própria, é necessário salvar primeiro os mais carentes, ainda que essa relação se resuma a uma relação sem grandes laços de intimidade ou afeição. A escrita de Vergílio Ferreira é económica mas bem-posta, sempre com o piscar de olho à poesia e um olhar acutilante sobre o mundo ao estilo de um guião cinematográfico: “Dez horas da manhã. A carroça do lixo ainda solavanca pelas ruas. No café do Pirata, estudantes bebem à pressa copos de leite. Fora, gumes de frio. Cigarro ardendo. Olhos papudos de sono. Raparigas pintadas de fresco desengonçam-se nos sapatos empinados e lentes austeros descem preciosamente dos eléctricos, suspendendo pastas de viajantes”. Ainda que esteja longe de ser um dos seus livros maiores, reside neste “O Caminho Fica Longe” a fundação da escrita Vergiliana, nele se encontrando os temas que vão fazer parte de toda a sua obra literária.

1000 Frases de Vergílio FerreiraO Caminho Fica LongeQuetzalVergílio Ferreira

Pedro Miguel Silva

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