No princípio era o Verbo, escreveu João na abertura do primeiro capítulo do seu Evangelho, fazendo de Deus – o cristão – o próprio verbo, motor de acção para a criação de todas as coisas. Também na arte, Deus tem sido o motor para um arco-íris de expressões, que vão da dúvida à crença, da revolta à adoração, da submissão ao desafio.
Um dos terrenos mais propícios a falar de – ou com – Deus tem sido a Poesia. Talvez por isso, José Tolentino Mendonça e Pedro Mexia se tenham proposto a reunir alguma da poesia portuguesa que interroga Deus e o seu papel no mundo. “Verbo – Deus como interrogação na poesia portuguesa” (Assírio & Alvim, 2014) terá, porém – e de acordo com ambos -, tudo para falhar: «Estamos conscientes de que estamos aqui a brincar com o fogo, contrariando ambos os lados de uma barricada. Uma antologia desta natureza tem, por isso, todos os ingredientes para constituir-se numa empresa que falha.»
As balizas temporais desta antologia são as obras de Vitorino Nemésio e de Daniel Faria, nascidos entre 1901 e 1971, autores que fizeram da “questão de Deus” um tema, um motivo, uma obsessão. Entre os treze poetas, existem alguns com honras de destaque: Vitorino Nemésio, autor de poemas de uma metafísica situada entre a confiança e a aflição; Sophia de Mello Breyner Andersen, autora que perseguiu os ideais de justiça, perfeição e paz; Fernando Echevarría, que chega ao cristianismo pela duplicidade da filosofia e da mística; Ruy Belo, um arqueólogo em busca dos vestígios de Deus nas palavras e no mundo; Daniel Faria, monge beneditino, autor de poemas bíblicos e metafóricos.
Antologia sobre a pergunta eternamente não respondida, “Verbo – Deus como interrogação na poesia portuguesa” apresenta Deus à luz de um ponto de interrogação; aliás, a única forma de com ele falar, até mesmo por aqueles que nele acreditam. Longe de falhar, esta empresa poética acertou em cheio no alvo. Ámen.
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