Medo. Se há palavra que faz parte do vocabulário e do processo de formação e crescimento dos mais pequenos, esta será certamente uma das mais partilhadas por todos. Em “Uma noite caiu uma estrela” (Alfaguara, 2015), David Machado faz-nos entrar nesse mundo onde é preciso descer à cave para arrancar, à luz de uma vela trémula, a coragem necessária para superar as adversidades que povoam os pensamentos e os sonhos infantis.
Como muitas historias, também esta começa com aquelas três palavras que juntas formam quase uma canção: “Era uma vez um rapaz chamado Óscar que tinha medo de quase tudo.” De facto, Óscar tinha medo de praticamente tudo, fosse subir às árvores mais altas, ouvir contar histórias sobre fantasmas ou, ainda, fazer festas a baleias inofensivas. Um dia, enquanto pescava solitariamente e pensava nestas e em todas as coisas que gostaria de fazer se não fosse tão medroso, o impensável aconteceu: uma estrela caiu do céu, aterrando a poucos metros do lugar onde se realizava a pescaria nocturna.
Apesar de estar envolto pelo medo da cabeça aos pés, Óscar não foi capaz de resistir ao impulso de segurar a estrela com as mãos, levando-a para a aldeia como se nelas segurasse um pequeno sol. Alvo da inesperada e inédita atenção de todos, que lhe perguntavam como teria realizado tamanho feito, Óscar respondeu, primeiro, que a tinha ido buscar ao céu. E, não satisfeito com a invenção de tal proeza, logo tratou de a embelezar convenientemente, num relato que incluia atravessar um bosque infestado de lobos, escalar uma montanha gigantesca e subir ao cima de um escadote no qual se amontoavam coisas tão diversas como uma colecção de banda desenhada, uma bicicleta ou um barril. Os dias pareciam ser de glória eterna para Óscar, até que luz da estrela começou a incomodá-lo, assim como a todos os habitantes e animais da aldeia. É então que o medo dá lugar a algo mais forte, podendo Óscar, numa solitária demanda, descobrir em si algo que estava enterrado bem fundo.
Após já nos ter deliciado com títulos como “A Noite dos Animais Inventados” ou o clássico dos clássicos “O Tubarão na Banheira”, David Machado serve-nos agora uma história sobre o medo e a sua superação, recorrendo a muita magia, algum humor e a uma voz que, no leitor, desperta o seu lado mais infantil e verdadeiro.
As ilustrações de Paulo Galindro são muito expressivas e por vezes aterrorizantes, salpicadas por um vermelho que se cola às palavras assustadoras e aos olhares ferozes, guiadas por um belo bailado entre a escuridão e a luz, construindo um clima crescente de tensão que só será superado com o virar da última página, que tem reservada uma surpresa de todo o tamanho – e num formato pouco habitual – para os pequenos e grandes leitores. Um livro muito belo sobre essa enorme aventura – e encantamento – de se ser criança.
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