“Eu estava sozinha e, contudo, no meio de milhares de pessoas. Estávamos todos juntos na nossa nostalgia pueril e sensacionalista, e todavia estávamos todos sozinhos. Não me deu qualquer conforto, na verdade; só tornou as coisas piores. Para a semana – no máximo – tudo aquilo estaria em silêncio e abandonado. O site seria uma relíquia.”
A primeira coisa a dizer sobre “Stone Arabia” (Quetzal, 2015) é que é difícil escrever sobre o mesmo. Pelas melhores razões. Após a leitura da última página fica desde logo a vontade e a sensação de que será necessário relê-lo, reinterpretá-lo e descobrir algo que, nas entrelinhas, nos escapou.
Muito mais que a história ou as crónicas dos dois irmãos, Denise e Nik, existe uma reflexão sobre a meia-idade e a solidão, que nos acompanha durante percursos de vida em que vamos sofrendo perdas permanentes, mais ou menos expectáveis. A busca pela felicidade, cada vez mais marca do tempo presente, ou a aparência da mesma. O sucesso, a imagem de cada um e a associação desprendida que se faz das mesmas. A publicitação de tudo, como se cada um de nós se medisse pela aceitação de outrem e do momento partilhado publicamente. A felicidade não é possível sem o oposto. A criação, a genialidade, não vive abraçada à riqueza ou ao sucesso desmedido. Os exemplos são infinitos.
Denise é o oposto de Nik, artista e colector por defeito, alguém que junta pedaços da realidade e os transforma, numa interpretação muito própria e livre. Denise não guarda o passado, tem dificuldade em relembrá-lo e vive assombrada pelos problemas de saúde da mãe. No início de todos os anos deita fora objectos que deixou de utilizar, numa busca de expurgação e libertação material e mental, oposta à postura do irmão, o músico obscuro e pouco sucedido, que colecciona e junta recortes, documentando e reconstruindo, de forma singular, a sua carreira desde os anos do pré-punk.
A falta de êxito de Nik é igual à sua dedicação pela música, uma paixão avassaladora que toma conta dele desde que o pai, quase sempre ausente, lhe ofereceu uma guitarra como prenda de aniversário. Aos cinquenta anos de idade e depois de muitas bandas e discos editados, é um empregado de bar em part-time, que passa o resto do tempo no seu estúdio de garagem, compondo e editando álbuns que acarinha quase infantilmente.
Denise tem uma filha, um trabalho, é divorciada e as relações ocasionais são cada vez mais espaçadas. Dedica uma parte do seu tempo à mãe, que sofre de uma doença mental degenerativa, o que a consome e afecta qual espelho da alma.
O contexto temporal é curto, mas preenche-nos de forma insofismável, tocando em sensibilidades comuns e jogando com emoções simples num estado de pureza que roça o brutal. Dana Spiotta consegue atingir, de forma primária, o fracasso e a desilusão dos objectivos de vida, perdidos algures entre a realidade e uma ficção paralela.
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