Se, à imagem da Literatura, o mundo gastronómico se pusesse a brincar aos clássicos, muito provavelmente a figura de Eça de Queirós teria, aceitando-se a troca de sexos, a sua equivalência num mito vivo da cozinha portuguesa: Maria de Lourdes Modesto.
“Sabores com Histórias” (Oficina do Livro, 2014) é um exemplo de toda a mestria e irreverência de Maria de Lourdes Modesto, apresentando “alimentos, preceitos e mais de 60 receitas”, como se pode ler na faixa que serve de sub-título.
Segundo a autora, o livro pretende «fixar o que por natureza estava destinado a ser passageiro», compilando um conjunto alargado de crónicas gastronómicas e receitas. A magia, essa, está por todo o lado, fazendo de “Sabores com Histórias” mais do que apenas um livro com receitas lá dentro.
Graficamente, o livro é irrepreensível: uma capa dura pintada num chamativo vermelho, páginas com papel de várias cores, ilustrações – da autoria de João Pedro Cochofel – carregadas de nostalgia que mandam às favas as habituais fotografias ou grandes planos.
O livro está dividido em pequenos capítulos, cada um deles dedicado a um ingrediente ou um tema, onde antes da apresentação das receitas Maria de Lourdes Modesto nos brinda com – palavras dela – «chamadas de atenção, esclarecimentos e até alguma informação de carácter histórico e científico», sempre com muita criatividade, engenho e ironia, fazendo da cozinha um espaço habitado por histórias que vale muito a pena escutar. Mesmo por aqueles que não sabem sequer estrelar um ovo.
A autora trata os alimentos como filhos ou parentes – próximos ou distantes -, apresentando-nos ao mal-amado aipo-de-cabeça, à aristocrática endívia, ao sedutor funcho, à exótica papaia ou ao inconstante alho, indeciso sobre se é, afinal, um legume ou um condimento. Um livro obrigatório para amantes de boa cozinha ou, simplesmente, para quem gosta de histórias com alimentos lá dentro.
Sem Comentários