Em qualquer obra de ficção, existe sempre um prévio aviso ao leitor de que qualquer semelhança com a realidade, quer seja na descrição dos cenários ou das personagens, é pura coincidência. Esquecem-se semelhanças e está garantida uma viagem por uma nova história, mas… e se um livro estivesse na vossa mesa-de-cabeceira e fosse, estranhamente, igual à vossa vida? Um protagonista que passou exactamente pelas mesmas experiências, as mesmas pessoas e todas as sensações?
A semelhança com a realidade é a grande premissa do mais recente thriller “Pura Coincidência” (Suma de Letras, 2015), da inglesa Renée Knight, e o mais recente a chegar ao lugar de topo do The New York Times Best Seller List. Motivos não faltam: por ser uma história “perfeitamente estruturada para deixar o leitor desnorteado”, afirma o The New York Times, ou por ter um “ritmo e a interligação das narrativas” impecáveis e viciantes, de acordo com o London Sunday Times.
À medida que avança na leitura de O Perfeito Desconhecido, Catherine não consegue deixar de ficar incrédula devido à semelhança do enredo com todo o seu passado traumático. Demasiadas coincidências não existem, especialmente num enredo em que a única diferença com a vida é a troca dos nomes das personagens. Sem conseguir perceber onde comprou o livro, provavelmente enquanto fazia mudanças para uma nova casa, o medo invade repentinamente a sua vida.
Uma outra voz, o idoso Stephen, não consegue largar a tristeza de ter perdido recentemente a sua esposa e o único filho num acidente em Espanha. Da amargura e da solidão nasceu uma grande obra trágica: O Perfeito Desconhecido. Apesar do livro não ter grande distribuição, o autor não hesita em fazê-lo chegar às mãos de quem deseja: o marido de Catherine, Robert, e o filho de ambos. Quando a verdade vem ao de cima, o velho amargurado não hesita em caçar Catherine e destruir a sua vida (mas há sempre muitas formas de contar uma história).
Como um thriller inteligente que é, “Pura Coincidência” não podia deixar de ser um objecto de comparação com os bem-sucedidos “Em Parte Incerta” (Bertrand, 2015) e “A Rapariga No Comboio” (Topseller, 2015). A fórmula, como em todos os livros do género, é simples: uma dose de suspense antes de chegar à reviravolta final e uma protagonista cativante.
Catherine mantém uma vida estável, um emprego de sucesso e um casamento invejável até o medo começar a tomar conta da vida dela. Um medo por ver a sua vida exposta nas páginas de um livro e, consequentemente, de um autor com sede de vingança. A aproximação com os dois thrillers acima referidos está na forma como as escritoras – é de se referir que se deve louvar estarem três mulheres no topo dos mais vendidos de um género literário – conseguem, magistralmente, dar a volta ao enredo e apanhar o leitor desprevenido. Nem toda a loucura mostrada nos comportamentos de Catherine é a realidade. As aparências iludem e, em “Pura Coincidência”, ninguém prepara o leitor para a verdade crua.
A perfeição na interligação das narrativas – a voz de Catherine, de Stephen e o enredo de O Perfeito Desconhecido – deve-se ao talento da estreante Renée Knight. Se um bom thriller equivale a uma bem servida dose de entretenimento, capaz de desviar qualquer leitor da passagem do tempo, “Pura Coincidência” é um exemplar perfeito para um folhear de páginas a grande velocidade.
Sem Comentários