Muitos livros nascem na sequência de exercícios oníricos ou como o resultado de experiências que marcam definitivamente o perfil do ser humano. Com “Os Regressados” (Porto Editora, 2014), estreia no campo do romance do norte-americano Jason Mott, aconteceu isso mesmo.
Depois do desaparecimento dos pais, Mott sentia um vazio face às lembranças que o assaltavam sobre as pessoas dos seus progenitores. A memória apenas trazia à tona pormenores sobre a sua mãe e pai. Até que um dia, algumas semanas depois do aniversário da morte da mãe, Mott teve um sonho: ao regressar de um normal dia de trabalho a sua mãe estava viva, esperava por si.
No espaço do devaneio do sono, Mott e a sua mãe falaram da vida deste último com uma frontalidade e franqueza apenas possível num universo onírico. A experiência marcou o autor nascido na Carolina do Norte que, rapidamente e depois de uma conversa com um amigo sobre o sucedido, entendeu que tinha de transpor – com as devidas aspas – a sua experiência para o papel. Assim nasceu “Os Regressados”, uma obra de ficção cujo sucesso levou a uma adaptação ao pequeno ecrã através da produtora Plan B, propriedade de Brad Pitt.
O enredo deste livro remete-nos para Arcadia, uma pequena cidade norte-americana que está, tal como o resto do mundo, a ser alvo de um “miraculoso” fenómeno. Sem qualquer razão aparente, os mortos estão a regressar.
Décadas depois da morte do pequeno Jacob, no dia que celebrava o seu oitavo aniversário, os Hargrave foram aprendendo a lidar com a perda. Mas, um dia, Jacob regressa, igual a quando desapareceu. O fenómeno é global e, um pouco por todo o planeta, milhões de entes queridos regressam para junto dos seus familiares sem qualquer causa aparente. Se para uns se trata de um milagre, para outros tal representa um ato contranatura, algo assustador.
A pacata Arcadia, num ápice, torna-se numa cidade assombrada. O caos alastra-se à medida que a comunidade coloca em causa os Regressados, que são considerados uma ameaça para os Vivos Verdadeiros. De forma a controlar esta invasão inexplicável, o governo cria o Comité dos Regressados.
Os septuagenários Harold e Lucille Hargrave recebem Jacob num misto de esperança e desconfiança e têm, na pessoa do Agente Martin Bellamy, um elo que pode, ou não, completar o puzzle intrincado que assume a figura de um menino de oito anos falecido há cinco décadas.
Através de uma narrativa envolvente e a roçar o ambiente vivido, por exemplo, na obra “A Cúpula”, de Stephen King, Jason Mott apresenta um argumento interessante que tem o condão de trazer à tona algumas paranoias que colocam em causa a própria condição humana.
A estranheza face ao desconhecido, a influência dos media, a impotência da religião, a preocupante sobrepopulação que assola alguns cantos do planeta e o poder omnipresente e omnipotente dos governos – aqui entendidos como um mero elemento de uma cadeia que legitima as decisões dos líderes na sequência democratizante do povo enquanto votante – estão, metaforicamente ou não, relatados em “Os Regressados” de uma forma pertinente.
Mott consegue um assertivo ritmo narrativo ao intercalar a estória com pormenores vividos noutros quadrantes ou na própria Arcadi,a que ajudam a entender emocionalmente o fenómeno a nível global. Ainda assim, por vezes nota-se que o enredo não flui de forma uniforme, e para tal muito contribui a abordagem superficial que o autor confere aos seus personagens principais. Ao contrário de autores mais “clássicos”, a descrição é relegada em detrimento da ação. Outra questão menos conseguida são as muitas pontas soltas que o livro deixa, o que remete para uma eventual sequela.
Autor de duas coletâneas de poesia e nomeado para o Pushcart Prize em 2009, Jason Mott estreia-se com um romance que nasceu de uma boa ideia, que assalta o modo ficcional de forma competente mas que, a espaços, apresenta alguma imaturidade lírica.
Ainda assim, não sendo uma obra-prima, “Os Regressados” é uma experiência vivamente aconselhada para quem gosta de uma trama que mistura a realidade com a ficção, e que traz à tona o melhor e o pior da natureza humana quando ameaçada pelo desconhecido.
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