Depois de “A informacionista”, a aventura de apresentação também publicada pela Topseller, é tempo de mudar de continente, deixando África com destino à Argentina. Em “Os Inocentes” (Topseller, 2014), Vanessa Michael Munroe aparece-nos novamente como uma Lara Croft em versão andrógena, oscilando entre a femme fatale (sem as curvas de Lara) e a faquir acrobata, sempre com a mesma mestria e a invencibilidade das heroínas ou das deusas da antiguidade/modernidade.
Michael, como é conhecida pelos mais próximos, aceita ajudar o seu maior amigo a procurar a filha, Hannah, com paradeiro desconhecido, dentro de uma comunidade religiosa radical e marginal conhecida como Os Eleitos.
Aqui regressamos de alguma forma à infância e à juventude da autora, Taylor Stevens, cuja vida tem mais do que apenas coincidências dramáticas com o argumento. Ela própria viveu, até aos vinte anos, no seio de uma seita religiosa, tendo sido separada da sua família aos 12 anos. Não lhe foi permitido estudar, sendo obrigada desde a infância a mendigar em cidades tão distintas como Tóquio e Zurique, bem como a trabalhar e a cuidar de centenas de crianças mais novas residentes nas comunas.
Para além de parecer um retorno ao universo real de Taylor Stevens, “Os Inocentes” apresenta um confronto com os fantasmas e os medos de Michael, de Logan e dos seus amigos – que justifica um bom ajuste de contas com os líderes da seita -, mas também a procura de reparação e alívio para o sofrimento incrustado nas suas vidas ainda jovens.
Os sistemas fechados poderão ser mundos assustadores, com leis e regras que atendem à satisfação dos desejos e interesses do poder dominante. Porém, em “Os Inocentes” também nos confrontamos com a dificuldade que pode estar contida na saída do único mundo conhecido que, mesmo que não seja mais do que um pesadelo, angústia e sofrimento, é o conhecido: aquele em que a protecção se confunde com o hábito, com as rotinas, com o esperado.
A acção, o movimento e o suspense continuam a ter um excelente ritmo – há até algum romance -, mas quem pensar que irá meramente ler um bom livro de acção e suspense que se desengane, os dilemas morais, por exemplo, também lá estão: será que não é crime ou que não deva ser punida a eliminação dos maus? Como é que as vítimas crianças e jovens podem ser ignoradas? Como é que se desacreditam as vítimas? Como é que podem perdurar as seitas/sistemas fechados ignorando as leis dos países e os direitos mais essenciais? Como é que se aprende a viver depois de uma exclusão quase total da realidade mais comum? Vanessa Michael Munroe veio para ficar.
Foto: Alyssa Skyes
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