Publicado em 2003 no ano anterior à sua morte, “Olhando o Sofrimento dos Outros” (Quetzal, 2015), de Susan Sontag, procura compreender o papel das imagens de atrocidades e o modo como estas são apreendidas pelos espectadores, numa análise que contempla os pontos fundamentais da história daquele que é o principal objecto deste ensaio: a fotografia de guerra.
Considerado uma espécie de prolongamento de Ensaios Sobre a Fotografia, de 1997, é no complemento e na contradição das reflexões do passado que se vai desdobrando este texto. Os Três Guinéus, de Virginia Wolf, dá o mote, e as considerações sobre a origem da guerra contidas na tentativa de evitá-la facilmente conduzem-nos à noção actual, bem menos ingénua, da aceitação da sua inevitabilidade.
Esta perda de inocência do ser humano muito se deve ao contacto frequente com as imagens de sofrimento, impulsionadas por uma sobre-exploração mediática que tem no sangue a moeda de compra favorita das audiências. Por maior que seja a banalização dos cenários de carnificina, e por melhor que tenhamos aprendido a conviver com a destruição, diariamente, à hora das refeições, o impacto destas imagens — simultaneamente registo e testemunho de uma realidade que nos é mais ou menos distante, que vê a sua intensidade reduzida ou aumentada consoante critérios de contexto ou proximidade — não se extinguirá. O contraponto é-nos dado pelas capacidades de choque e de comiseração perante a barbárie ou a ideia de sofrimento alheio, assente na premissa de que o sofrimento dos outros poderá, eventualmente, a vir a ser o nosso.
Através das palavras da ensaísta somos guiados pela cronologia da representação visual do sofrimento, da qual foram retirados os grandes exemplos que contribuíram para a cimentação de uma memória colectiva da guerra. Uma imagética que contempla Os Desastres da Guerra, de Goya, a documentação foto-jornalística da Guerra Civil Espanhola, a cobertura televisiva da Guerra do Vietname, as fotografias captadas quer profissional quer amadoramente aquando do 11 de Setembro – e que hoje se alastra até aos relatos dos conflitos que, através de vários meios, nos invadem a casa todos os dias. Imagens encenadas, instantes capturados, cuja interpretação estará sempre dependente do contexto em que são vistos e dos olhos de quem os vê, integram o imaginário comum do que pode constituir o sofrimento dos outros.
Sontag deixa-nos como parte do seu imenso legado um olhar actual sobre as imagens de atrocidades e sobre aquele sofrimento que, em última instância, será sempre o sofrimento dos outros e, por isso mesmo, nunca será o nosso; um sofrimento que, por maior afinidade que a sua história nos possa suscitar, nunca poderemos sentir, a menos que dela tenhamos feito efectivamente parte.
1 Commentário
Um bom resumo
Bem haja