No ano em que se assinalaram sete décadas sobre o fim do maior conflito bélico da História Contemporânea, foram várias as publicações sobre as causas da II Guerra Mundial, o que a motivou, as atrocidades cometidas sobre as suas vitimas e como o Mundo mudou depois desse confronto entre as mais significativas Nações mundiais da altura. Em “O Ocidente no divã” (Objectiva, 2015), Jean Louis Vullierme (JLV) leva os nazis bastante a sério, tentando assimilar a forma cega em como estes acreditavam na ideologia que seguiam e implantavam no terreno.
O inicio da dissertação e ilustração do passado de JLV neste livro transporta-nos até Nuremberga, cidade historicamente marcada pelo julgamentos de figuras como Gunther Quandt (proprietário da BMW na altura da guerra), Erich von Manstein ou Rene Bousquet, denunciando o facto destes terem conseguido continuar a desempenhar um papel relevante na política alemã, escapando à acusação de genocídio. Apesar de apontar o dedo a responsáveis pela “Solução Final”, JLV, mais adiante, acaba por dar relevo ao sentimento de culpa que após o fim da Guerra acabou por se apoderar de grande quantidade dos carrascos nazis (“de um modo geral, consideraram que o horror sentido por aquele que o infligia era equivalente ao horrir sofrido(…)”. O autor refere inclusive que, à partida, a análise critica de um acontecimento histórico passado está relacionada com o contexto sócio-politico actual.
Parte fulcral deste espesso ensaio está presente ainda na primeira parte (“A ideologia do extreminio”), onde são enumeradas as componentes do nazismo:“supremacia racial, eugenia, nacionalismo, anti-semitismo, propaganda, militarismo, burocracia, autoritarismo, antiparlamentarismo, positivismo jurídico, messianismo político, colonialismo, Terrorismo de Estado, populismo, culto da juventude, historicismo e esclavagismo”. Para o autor, as fontes do nacional-socialismo residem na civilização ocidental, e a origem do nazismo foi o único movimento necessário para tê-los todos reunidos. Estas componentes justificam tudo o que se passou desde a ascensão de Hitler até à sua morte, num bunker em Berlim. A característica comum de cada uma destas fontes do nazismo está naquiloa que JLV classifica de “antagonismo”: “O que caracteriza especificamente a ideia antagonista é construir, não para um propósito específico e um contraste natural com ideias concorrentes, mas oposição a grupos humanos para representar a sua acção que visa combater”.
Ainda nesse capítulo inicial, formula-se uma teoria de ascensão do povo judeu que, antes do Holocausto, possuía vários elementos em posições destacadas (bancários, jornalistas, comerciantes e intelectuais) na sociedade ocidental, alvos que Hitler pretendia eliminar sobretudo tendo como tese a teoria da existência de uma espécie superior às restantes, não existindo apenas a espécie Humana mas sim um género humano subdividido em várias raças. Tratava-se, sobretudo, de uma especulação ideológica e não de uma tese científica. Esta supremacia da raça ariana iria levá-la, posteriormente, a dominar predominantemente eslavos e asiáticos, povos a quem o nazismo atribuiria o pesado fardo da escravatura enquanto tivesse o domínio do mundial pela força do seu poder bélico. Para a concretização dessa utopia seria imprescindível a conquista do poderoso bloco comunista de leste, de modo a expandir o espaço de domínio nazi e chegar a locais com apetecíveis matérias-primas que iriam fortalecer o Império com sede em Berlim. Porém, o autor sustenta a tese de que Hitler e os seus próximos sabiam que a manutenção de duas frentes de batalha muito exigentes (o bloco de Leste e o espaço britânico) poderiam levá-los a perder a guerra.
No entanto, a génese do nazismo não terá sido uma singularidade germânica. Aliás, neste ensaio referem-se elementos existentes nas sociedades ocidentais criados antes do nazismo e que surgiram como justificação à implantação deste. Sentimentos como o colonialismo de Bonapart e a esterilização de indivíduos considerados inúteis para a sociedade terão tido lugar em locais como a França e os Estados Unidos da America (onde se verificou a conquista do Oeste em detrimento dos Indios), respectivamente. É inclusive dado relevo à cumplicidade do industrial Henry Ford para com o nazismo que emergia na Alemanha – há mesmo dados históricos que comprovam a existência de um donativo extremamente generoso de Ford a Hitler na primavera de 1939. Além disso, é também demonstrado com exemplos o facto de Hitler ter seguido a União Soviética na sua forma de governação retendo “do bolchevismo a vontade socialista revolucionária, como a forma autoritária do partido único”. Aliás, JLV vai mais longe e atribui um sentimento de pura e deliberada conivência dos USA para com Hitler onde, inclusivamente, “(…) ter-se-ão construído doutrinas acizilizadas da ordem pública que visavam restringir manifestações (…) e censurar opiniões (…)”.
A segunda parte, intitulada “Sair da ideologia de extermínio”, propõe dois capítulos de “terapia cognitiva” para sair, e uma revisão de focos de antagonismo (a incidir sobre o conflito israelo-palestino). Apesar do distanciamento cronólogico dos factos, JVL não desculpabiliza o nazismo – como se isso fosse possível nos dias que correm -, e muito menos relativiza a sua importância e barbariedade. Faz, isso sim, uma correlação com o que se passou, sobretudo, no contexto europeu dos anos 30 e 40.
Nota-se o esforço do autor em tentar perceber e explicar o porquê da ideologia nazi ter surgido na Alemanha e não noutro local do Ocidente, como podia ter sido bem possível. Aliás, JVL interpreta o nazismo como uma acção Alemã com raízes ocidentais, e vê o nazismo como uma intenção claramente realista, algo que, neste extenso ensaio, é fortemente sustentado com excertos de declarações públicas dos homens mais chegados a Hitler – o que enriquece ainda mais a sua competência documental. Uma obra para ler e reflectir.
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