Para muito bom pai e mãe, um dos mais importantes ensinamentos a transmitir aos mais pequenos será a capacidade – ou o instinto – de avaliar e distinguir entre o que é certo e errado, algo que lhes valerá de muito durante o seu percurso. Pois bem, e que tal aprender tudo isso olhando o mundo virado de pernas para o ar? Parece impossível? Longe disso. Basta pegar em “O Mundo ao Contrário” (Planeta Tangerina, 2015), um livro do artista Atak que, sem palavras e muito espírito surrealista, nos convida a olhar o mundo com outros olhos.
Atak percorre vários aspectos da existência humana, como os meios de transporte, o circo, os animais ou as histórias de encantar que aprendemos desde miúdos, numa visão onde a (aparente) mentira ou a (aparente) asneira são parte de um mundo oferecido de cabeça para baixo: há leopardos brancos e pinguins em cima das árvores; coelhos que apontam armas a caçadores assustados; guardas de zoo em jaulas, leões sentados como gente e cavalos que incitam os seus jóqueis a correr mais depressa; bombeiros que apagam inundações com o calor do fogo; bebés que dão comida à boca das mães; um estranho circo onde palhaços saltam num círculo de fogo e se podem ver elefantes domadores; dinossauros que fazem uma visita a uma espécie de Grande Museu da Espécie Humana; estranhas histórias de encantar onde há sete lobos que saem da barriga de um cabritinho, os três porquinhos são umas pestes e a Capuchinho Vermelho tenta transformar o lobo numa refeição; um universo de super-heróis em que o Sponge Bob veste saias, o Mickey é um aficcionado da força negra e o Snoopy gosta de espinafres; comboios que voam, barcos que circulam na estrada e aviões que voam na água; e, também, um estranho Éden com uma costela arrancada a Benjamin Button.
Nesta visita guiada a quadros impressionistas com alma surrealista há a presença constante de um pequeno e sorridente rato, que nos vai conduzindo nesta viagem e que, até mesmo no mundo dos sonhos e pesadelos, entra em cena com um sorriso nos lábios: será ele o próprio Atak? Apostamos nisso.
Uma aventura visual de proporções épicas, algures entre o Onde está o Wally? e o jogo das adivinhas, que deixa no ar uma questão pertinente: afinal, o que é certo e errado? Pequenada, está aberto o debate.
Eu até gosto de aventuras,
Mas quando vi dois leopardos
Brancos cor do chocolate*
Roubar-me pastéis e guaches
Quase me dava um ataque!
E a lebre alpina? Essa ousada
Roeu de uma assentada
Os meus desenhos e esboços!
Espero que a roam remorsos…
A ela e às corujas das neves
Exiladas sob as palmeiras…
Serão isto mentiras? Asneiras?
Ou é o mundo ao contrário?
*branco, claro.
Excerto de Rap do mundo ao contrário, incluído em “O Mundo ao Contrário”.
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