É um facto que, ao evocar o nome de Alexandra Lucas Coelho, o leitor não pensará certamente numa escrita coquete ou impregnada de tiques de boas famílias. Porém, mesmo tendo em conta o seu intrépido espírito de viajante e a sede de descoberta, talvez não pensasse que da pena de Alexandra pudesse sair uma prosa assim: «Nunca ter fodido com um mecânico não era o problema, o problema era nunca ter fodido com alguém que tratasse por você. Talvez por isso também não me tenha dado para dizer, foda-me, coma-me. Seria como estar numa novela porno em Cascais.»
Em “O meu amante de domingo” (Tinta da China, 2014), o seu mais recente romance, Alexandra Lucas Coelho conta a história de uma mulher à beira de um ataque de nervos, obcecada com o desejo de matar um homem a quem trata carinhosamente por caubói.
Tradutora e loura na casa dos cinquenta anos, tem cerca de duas semanas para rever 500 páginas da biografia de Nelson Rodrigues, escritor que, na sua opinião, representa «a pungência da canalhice», enterrado há cinquenta e quatro anos sem incomodar ninguém e que, agora, um qualquer editor descobriu formando o desejo de editar a sua obra de uma ponta à outra. Curiosamente, Nelson Rodrigues parece pairar em volta da narradora como um fantasma, acompanhando a sua sede de vingança: «Entrei na vida de Nelson Rodrigues quando a vingança acabava de se tornar o meu cão, dia e noite alegre, forte, fiel.»
Para passar o tempo envolve-se com um mecânico (pior cliché porno só mesmo o bombeiro, o canalizador ou o trolha), ex-marido de uma pasteleira de Coina e atualmente casado com uma santa, que nas mensagens que trocam por telemóvel usa expressões tão fascinantes quanto “possamos” e “vareia”. Mas há outras distracções amorosas, como um amigo poeta que sonha com o Nobel ou um aparentado de Apolo.
Entre as confidências e os desabafos, acompanhamos os seus planos de tortura, os esboços do livro que pretende escrever – um pequeno jogo literário – e a sua epifania de perceber que, afinal, a melhor vingança pode não coincidir necessariamente com a morte.
Alexandra Lucas Coelho criou uma personagem feminina fascinante, possuída pela raiva e a fúria, num livro que chega a parecer um folhetim e que faz, do palavrão, uma arte à boa maneira do norte. Uma excelente surpresa.
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