Talvez por se ter formado em Filologia e Teoria Literária e, também, por leccionar aulas de escrita criativa, a prosa de Zoran Zivković tem uma particularidade muito distintiva no meio literário. Nas suas histórias, mais do que as personagens ou os cenários que constrói, são os próprios livros que ficam debaixo dos holofotes, transformados em heróis ou vilões de acordo com os – normalmente bons – caprichos do escritor.
Se esse era o caso do muito recomendado “A biblioteca“, uma colectânea de seis contos que levou para casa o Word Fantasy Award em 2013, “O grande manuscrito” (Cavalo de Ferro, 2015) oferece ao leitor um intrigante e bem-humorado puzzle literário, a piscar o olho ao policial, que tem como figura de proa o inspector Dejan Lukić.
Conhecido pela sua paixão bibliófila, o inspector da polícia de Belgrado é novamente chamado a resolver um mistério que atormenta o mundo dos livros, isto depois de um estranho caso que o fez andar à procura d’ “O último livro” – também com edição pela Cavalo de Ferro – e que colocou a sua vida – e a própria sanidade mental – em risco.
Agora, o caso envolve um apartamento vazio fechado à chave pelo lado de dentro e o desaparecimento da sua inquilina, uma famosa escritora de best-sellers chamada Jelena Jakovljević, bem como do precioso manuscrito do seu próximo e muito aguardado livro.
Pela primeira vez na sua carreira literária, Jelena não partilhou o manuscrito com a sua agente, apenas dele se conhecendo o enigmático título: “Encontra-me”. Porém, não serão apenas Dejan Lukić e Ljubica Aksentijević – a agente literária – que estarão na corrida pelo manuscrito. Nela participam vários editores sem escrúpulos, a Agência Nacional de Segurança e também a Sociedade Secreta das Túnicas Castanhas. Afinal, correm rumores de que o primeiro que o ler de uma ponta à outra alcançará, para além do prazer da leitura, a imortalidade.
Nesta verdadeira caça ao tesouro passada numa dimensão literária paralela, Zoran Zivković mantém o apetite pela fantasia e pelo fantástico, apresentando o leitor a um sem-número de estranhos lugares, objectos e personagens, como um salão de chá onde, na falta de uma ementa, os empregados escolhem o chá de acordo com os males dos clientes – há chás contra o vento ou as ilusões -, um telemóvel que não guarda mensagens ou registos de chamadas e funciona sem cartão SIM ou bateria ou, ainda, um enigmático e muito filosófico pintor cego.
Ainda que lhe falte algum do fulgor e da vertigem de “A biblioteca”, “O manuscrito perdido” conduz o leitor aos corredores da criação literária e aos meandros das estratégias editoriais, feitas de estranhos golpes de marketing ou contratos aos quais apenas faltará incluir o uso literal de algemas.
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