Quem chama os fluídos fisiológicos de “fluídos fisiológicos” não ama. Porra.
Reinaldo Moraes
Esta afirmação diz muito, desde logo, sobre “O Cheirinho do Amor” (Quetzal, 2015), recentemente editado em Portugal. Reinaldo Moraes, nascido em 1950, não teve educação sexual institucional na escola nem em casa, como hoje se pretende que exista, educação essa tomada por um discurso técnico-científico ou delicado e doce; caso contrário não teria escrito as crónicas neste livro reunidas, nem gostaria tanto do tema do sexo, nem do sexo, sendo tema ou não. O autor esclarece: «não estou ensinando sexo pra ninguém». Nem é preciso. Nada do que é sexual lhe é estranho e, quando não é sexual, ele arranja maneira de que se torne.
Para quem precisa de rir e não tem bons motivos para isso, a prescrição é a leitura deste livro. No verão mais se agradece um livro assim, fresco sobre questões quentes, descontraído e tão divertido que as gargalhadas cortam a leitura a todo o momento.
O título do livro – Crónicas Safadas teria sido uma melhor escolha), é tomado de uma das crónicas, em que a compra de bacalhau – o autor tem origens portuguesas – lhe faz lembrar outro cheiro de que gosta, talvez das nossas origens marinhas, e a nós portugueses involuntariamente lembra Quim Barreiros, num registo pior.
A contrariedade que a leitura de textos brasileiros provoca tantas vezes aos portugueses, por ter um sabor a mau português, aqui não acontece. Reinaldo Moraes, que leu Machado de Assis e Camilo Castelo-Branco, como bem se nota, domina e trata a língua portuguesa com uma plasticidade, um à-vontade e uma liberdade vernacular invejáveis, num português correcto, bem escrito, todo tomado da oralidade brasileira, carregado de calão e palavrões (mas onde estavam todos estes palavrões? Faz até falta um glossário.), óptimos jogos de palavras, associações de ideias estapafúrdias, uma festa! A vida é uma festa brasileira dentro destas páginas.
A incontrolável curiosidade por tudo leva este autor à literatura, grande e pequena, às viagens, ao mundo underground, à música, à informação mais díspar, e tudo isso entra dentro dos seus textos sem pedir licença, em comunicações surpreendentes. Fervilha de ideias louquíssimas, mas a cabeça onde isto se dá tem que ser séria para escrever assim. Escrever com toda a liberdade sobre sexo sem cair em algo horrível ou horrivelzinho é difícil de conseguir. A linha que separa o deleite da repugnância é ténue e o autor equilibra-se bem com um pé em cada lado, não disfarçando o evidente machismo – pouco violento, convém dizer.
As mais de 30 crónicas do livro foram escritas entre 2011 e 2014 para a revista brasileira masculina Status, daí o tom de conversa desabrida de homens, que já não se encontra mais num mundo feminino e feminista e, nesse sentido, repressivo, onde o discurso sexual masculino despreocupado parece afastado para sempre, assim como os piropos na rua, que fizeram parte de uma época já extinta.
Os temas são todos ou quase todos: triângulos amorosos («ménage atroz»!), canções, chatice do sexo tântrico, virgindade leiloada na internet («a devoção ao hímen e aos lençóis sangrentos» tem novas versões), sadismo, câmaras muito ocultas, folias clericais, tatuagens exóticas, disfunção eréctil, cirurgias plásticas vaginais («modelismo sinistro e mutilador» para uma «vagina narcisista»), são exemplos dos temas abordados.
Mesmo tocadas de vulgaridade (todas as vulgaridades da vida), estas crónicas nunca são intoleráveis, antes desejáveis. Nelas se concentra o peso masculino obsessivo pelo sexo e algumas explicações sérias, como a que se segue sobre a carga de responsabilidade do homem: «O pénis reúne os conceitos de procriação, prazer, virilidade e paternidade. Na mulher, eles estão separados entre clitóris (prazer), útero (procriação), vagina (género) e seios (maternidade)» (Carmita Abdo, psiquiatra).
A leitura destas crónicas serve mesmo de aperitivo e convite à leitura de Pornopopeia, o grande livro de Reinaldo Moraes.
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