Nestes tempos modernos muito dados à simplificação, é normal que no mundo da Literatura se ande a comparar livros como quem fala de garrafas de vinho: leva antes aquela ali da terceira prateleira, é muito parecida com aquela que bebemos naquele fim-de-semana fantástico para os lados do Alentejo. Há, porém, um risco muito sério de defraudar as expectativas quando existe um termo de comparação, e de a perspectiva de bebericar um fino Syrah se transformar numa pega de caras com um arrojado (mas ainda assim) carrascão.
“Em parte incerta”, o brilhante livro que revelou Gillian Flynn ao mundo, tem sido um desses exemplares que vai servindo para promover livros “ditos” da mesma corrente literária. Tal como a Trilogia Millenium vai servindo para o policial nórdico ou As Crónicas do Gelo e do Fogo vão promovendo outros espécimes do mundo fantástico.
“Não me digas nada” (Topseller, 2014), a estreia literária de Mary Kubica, é um de muitos livros que têm sido comparados a “Em parte incerta”. Porém, aqueles que o forem ler convictos de que nele irão encontrar um sucedâneo Flynniano, provavelmente serão tolhidos pela desilusão.
Não é que “Não me digas nada” seja um mau livro, mas está a milhas de reunir a ironia, o suspense e o brilhantismo que fez com que “Em parte incerta” fosse, por exemplo, adaptado ao grande ecrã pelo insuspeito Mr. Fincher, prometendo ser uma das surpresas cinéfilas do ano para aqueles que não bebem apenas do chamado cinema de autor.
A história de “Não me digas nada” gira à volta de Mia Dennett, filha de um juiz de sucesso e de uma figura do jet set com queda para a depressão que, apesar de ter crescido num mundo de luxos e privilégios, lutou sempre para dele escapar, trabalhando como professora de artes visuais numa escola secundária – ao contrário da irmã que cumpriu o sonho do pai e se tornou uma feroz advogada.
Uma noite, Mia decide sair com um estranho que conhece num bar, um encontro que se transformará num enorme pesadelo para Mia, um rapto para o qual aparentemente não existe sinais de extorsão mas apenas o prolongamento da agonia.
Thriller psicológico com alguns tiques da síndrome que tem o nome de uma cidade sueca, “Não me digas nada” é contado a várias vozes e em avanços e recuos temporais, o que ajuda a perceber o universo que serve de moradia a cada uma das suas personagens. O desenlace final, para o leitor de thrillers mais atento, poderá encerrar alguma previsibilidade, mas o ritmo incutido por Mary Kubica fará com que o leitor passe umas horas em boa companhia, mesmo que ao pé de “Em parte incerta” este acabe por ser um thriller fofinho.
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