Aos 87 anos, a norte-americana Mary Higgins Clark dispensa grandes apresentações. Com dezenas de títulos publicados (muitos deles com edição portuguesa) e 150 milhões de livros vendidos em todo o mundo, a antiga secretária e hospedeira ganhou fama internacional por culpa de uma escrita onde o suspense é imagem de marca.
Para muito a mais verdadeira herdeira do legado de Agatha Christie, Clark ganhou a alcunha de Rainha do Suspense, gozando de uma reputação única nos meandros da chamada literatura policial. Como que a provar isso mesmo chega-nos agora “O Azul dos Teus Olhos” (Bertrand Editora, 2015), um romance construído com base em dois enredos que se complementam, tornando esta obra numa espécie de “dois-em-um”.
Há cerca de cinco anos, o Dr. Greg Moran – marido de Laurie – é morto por um psicopata que perseguia a sua família. A única testemunha ocular do assassino foi Timmy, filho do casal, na altura com apenas três anos. Na retina de Timmy ficaram os diabólicos e penetrantes olhos azuis do assassino, que se tornaram uma presença habitual dos seus constantes pesadelos.
Mas Laurie é perseguida por mais do que a perda do marido e o tormento de Timmy. Quando a criança conseguiu fugir do cenário do crime, o assassino, escondido por um lenço que lhe cobria o rosto, gritou a pior das ameaças: «Diz à tua mãe que a seguir é ela. E depois, és tu».
No presente, Laurie enfrenta novamente um homicídio, ainda que desta vez ficcionado e no papel de produtora de um programa televisivo que versa sobre crimes reais. A temporada abre com o caso de Betsy Powell, um mistério que ainda está por resolver passadas duas décadas. Nessa altura, a socialite Betsy foi encontrada morta, asfixiada na sua cama. O corpo foi descoberto pela sua filha e mais três amigas que chegavam da sua festa de finalistas. O caso assolou os órgãos de comunicação social por todo o país.
Agora, com a colaboração dos convidados, Laurie “reabre” o caso, mas quando as gravações começam torna-se claro que cada um dos presentes tem segredos por revelar. O passado não é um cenário pacífico e resolvido para aquelas mentes que sentem ainda, de perto, um par de olhos azuis que as observam.
Somos assim transportados para um universo muito ao género da já referida Agatha Christie, sendo que na narrativa de “O Azul dos Teus Olhos” Clark recorre mesmo à referência do clássico “Crime no Expresso do Oriente”. Tal como no complexo mundo de Poirot, também aqui todos os suspeitos são criaturas desprezíveis e qualquer um poderá ser o assassino.
E, tal como Christie, Mary Higging Clark exibe uma visão sombria da humanidade. Enquanto devora as páginas deste livro, o leitor é confrontado com roubos, extorsão, vários adultérios, incestos e crueldades várias, entre um “elenco” onde todos se odeiam…de morte.
A narrativa flui com naturalidade, a escrita é simples, directa e viciante, as personagens são interessantes e o suspense está sempre, mas sempre, presente. Ainda assim, o final pauta-se por alguma previsibilidade e leva o leitor a pensar em mais alternativas para o epílogo.
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