Nascido em Évora no ano de 1954, Luís Carmelo é autor de uma vasta obra, impressa entre a literatura e o ensaio, fundador e director da Escola de Escrita Criativa Online (EC.ON). Recentemente teve em exibição “Mapa-Mundo”, uma exposição imaginária possuída pelo espírito de Gianni Guadalupi e Alberto Manguel – autores do incrível Dicionário dos Lugares Imaginários -, onde apresentou um conjunto de cidades desenhadas nas últimas três décadas e que ilustravam uma espécie de mundo paralelo, difícil de explicar e onde o enigma era a palavra de ordem. Enigma que é, também, um bom adjectivo para caracterizar “Gnaisse” (Abysmo, 2015), a sua mais recente obra.
Paixões há muitas, mesmo aquelas que surgem dentro de uma sala de aula entre um professor e uma aluna. Perante uma sua pupila que gosta de Nietzsche e adora garrafas de gás – butano ou propano -, o professor, narrador de “Gnaisse”, tece-lhe um elogio para lá do literário: «…Tinha a sinuosidade do instante, a magia de um agora muito volátil. (…) Era realmente um ser que fugia à certeza das linhas.»
Desde muito cedo se pressente uma tragédia ou, pelo menos, um abandono. A aluna – que na realidade nunca o foi – desapareceu sem deixar rasto e o professor, certamente atravessado pela impossibilidade geográfica da memória, muda de casa e recupera o péssimo hábito de fumar. À varanda, sondando a «trama meteorológica», vê pela primeira vez a «vizinha que todos os dias grita nas últimas horas da noite».
A dor do narrador é profunda, entre sonhos recorrentes, desmaios e alucinações – parece ver a aluna em qualquer parte: «O tempo comeu as palavras que eu podia ter dito desde o dia em que deixei de a ver até hoje.» Querendo tornar-se um sósia de Edgar Allan Poe e recordando os tempos em que brincava com a morte deixando o gás ligado, vai guardando numa caixa de bolachas Maria as fotografias que tira nas profundezas de uma estação de metro, «como forma de solidificar a memória ou de mumificar o meu grande amor perdido.»
É também uma história de morte, de cinzas, de loucura, onde o enigma se desvenda nas páginas finais, um pouco depois da chegada da irmã do professor que parece trazer consigo uma cura para o desamor. Ou, muito provavelmente, tudo se torna ainda mais indecifrável, deixando o leitor entregue a uma leitura circular, como circular – e assente na repetição – é, também, a própria efemeridade da existência. Mesmo longe do mundo dos versos e das quadras, a poesia mora nestas páginas.
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